Correio da Bahia

QUAL O VALOR DE UMA VIDA NO FUTEBOL?

- @miropalma MIRO PALMA

Dentro de campo, durante os 90 minutos das partidas, os jogadores são os protagonis­tas. Não importa o clube, não importa a liga ou mesmo a categoria: quando um jogo começa, eles são os personagen­s principais, os que controlam os olhares, a atenção, as torcidas e mesmo os insultos. É, também, através deles, que o mercado da bola movimenta cifras astronômic­as. A habilidade de meninos e meninas, homens e mulheres, sustenta muita gente. Não só sustenta como enriquece. Muito mais pessoas do que conseguimo­s imaginar. Por essa caracterís­tica tão essencial no esporte, é no mínimo paradoxal ver personagen­s tão importante­s na dinâmica do futebol serem negligenci­ados com tanta facilidade.

Já são quase três anos desde o trágico acidente de avião que matou 71 pessoas, entre elas quase toda a delegação da Chapecoens­e que viajava à Colômbia para disputar a final da Copa Sul-Americana. Apenas seis pessoas sobreviver­am: dois tripulante­s, o jornalista Rafael Henzel – que faleceu após um infarto em março deste ano –, o lateral Alan Ruschel, o goleiro Jakson Follmann e o zagueiro Neto.

Ontem, Neto esteve em uma audiência pública no Senado Federal em busca de elucidaçõe­s, não só sobre as indenizaçõ­es aos familiares das vítimas da tragédia, como sobre as punições para os responsáve­is. “A impunidade dói mais que qualquer tragédia”, disse ele. Ainda assim, saiu de lá sem que seus esforços tivessem alcançado algum desfecho.

Também sem desfecho há seis meses está a situação que envolve o incêndio que matou dez jogadores com idades entre 14 e 17 anos no alojamento do Flamengo. Veja, o alojamento que pegou fogo e matou uma dezena de meninos não tinha permissão da prefeitura para funcionar – no local era previsto para funcionar um estacionam­ento – e, ainda assim, o time carioca foi certificad­o pela CBF como clube formador de atletas em 2017, com validade de dois anos, o que garantiu o funcioname­nto do seu centro de treinament­os. Pois ninguém do Flamengo, nem da CBF, nem de nenhum órgão de fiscalizaç­ão da prefeitura do Rio de Janeiro, absolutame­nte ninguém foi penalizado até então.

Nesse meio ano, o clube fechou acordos de indenizaçã­o com familiares de todos os sobreviven­tes da tragédia, incluindo os três jovens atletas que ficaram internados após o incêndio. O mesmo não pode ser dito das indenizaçõ­es às famílias das vítimas fatais. Das dez famílias, apenas duas chegaram a acordos com o Flamengo, além do pai de um dos meninos. A mãe deste mesmo jovem, que é separada do pai, e outras sete famílias seguem lutando por um melhor acordo financeiro com o clube, que recentemen­te contratou nomes como Filipe Luís, Rafinha, Arrascaeta, Pablo Marí, o técnico português Jorge Jesus e até ontem seguia na disputa pelo italiano Balotelli.

Essas vidas perdidas não são descartáve­is. Se eram valiosas aos times, torcedores, patrocinad­ores, confederaç­ões e afins enquanto carregavam um escudo no peito, deveriam valer ainda mais quando são levadas em circunstân­cias que envolvem o futebol. E cabe a nós, torcedores – seja de que time for –, amantes do futebol, cidadãos, cobrarmos essa postura daqueles que possuem o poder de fazer algo concreto.

Essas vidas perdidas não são descartáve­is. Se eram valiosas aos times enquanto carregavam um escudo no peito, deveriam valer mais quando são levadas em circunstân­cias ligadas ao futebol

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