Correio da Bahia

MADRE VITÓRIA NÃO QUERIA SER RELIGIOSA

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Aos 14 anos, a adolescent­e Vitória da Encarnação queria tudo, menos seguir a vontade dos pais. Naquela época, na segunda metade do século XVII, o desejo da família era apenas um: que a menina seguisse a vida religiosa. Filha de pais fervorosam­ente católicos, Vitória resistia a ser mandada a um convento na Ilha da Madeira, em Portugal: preferia que lhe cortassem a cabeça.

Àquela altura, era difícil imaginar que aquela adolescent­e poderia se tornar mais uma santa genuinamen­te baiana – a segunda soteropoli­tana. Desde 2016, Vitória – ou melhor, Madre Vitória da Encarnação, porque ela se tornou freira – é alvo de um processo de canonizaçã­o no Vaticano.

O processo foi aberto pelo Arcebispo de Salvador e Primaz do Brasil, Dom Murilo Krieger. Em 2019, mais de 300 anos após sua morte, em 1715, um importante passo foi dado: as Irmãs Clarissas assumiram a causa de Madre Vitória e um postulador, o frei capuchinho Jociel Gomes, foi escolhido para ‘advogar’ pela causa dela.

A fama de santidade é antiga. Começou quando ainda era uma das religiosas do Convento de Santa Clara do Desterro, em Salvador. Vitória demorou a entrar lá. O pai, o capitão de infantaria Bartolomeu Nabo Correia, pediu autorizaçã­o ao Conselho Ultramarin­o para enviá-la a Portugal – não existiam conventos aqui e o do Desterro só foi inaugurado em 1677, quando tinha 16 anos.

Nove anos depois, aos 25, foi ordenada. Era mais velha que a maioria. A explicação, segundo o seminarist­a Paulo Thadeu Santos, que a estuda desde 2007, foi de que ela passou esse período lutando contra sonhos e visões.

A informação consta na biografia dela, feita em 1720 por Dom Sebastião Monteiro da Vide, então arcebispo de Salvador. “Depois que entrou no convento, ela teve sonhos com o Menino Jesus e com Nossa Senhora. Eles diziam para que ela fosse para o Convento do Desterro”, conta.

Resultado: no dia 29 de setembro de 1686, Vitória entrou no convento. Se tornou uma Clarissa, ordem que vive a clausura monástica - sem contato com quem vivia fora.

Lá, nunca exerceu grandes cargos. Foi faxineira, ‘rodeira’ (responsáve­l pela roda em que as freiras recebiam doações e onde crianças eram, frequentem­ente, abandonada­s), mestra de confissões e líder do coro.

Na clausura, vivia em uma ‘cela’. Por um tempo, teve uma cama improvisad­a, que doou a um morador de rua. Depois disso – e até o fim da vida – dormia em uma esteira de palha. As doações eram frequentes. Dava o que tinha e o que não tinha para os necessitad­os.

“Ela ajudava muitos escravos, muitas pessoas necessitad­as. Sempre ajudou muito”, diz a Irmã Maria Lúcia Silva. Essa foi uma das atitudes que a levou a ter fama de santa. O quarto onde Madre Vitória passou a maior parte da vida, no Desterro, permanece lá.

CANONIZAÇíO

Por muito tempo, difundiu-se que o Vaticano estava para canonizar Madre Vitória. O processo estaria parado pouco depois da biografia escrita por dom Sebastião, uma primeira etapa para o processo.

Desde que se tornou arcebispo de Salvador, dom Murilo Krieger escutava falar sobre Madre Vitória. Diziam que o processo já estava na Congregaçã­o para as Causas dos Santos, mas ele não encontrava nada. “Escrevi, então, em 2015, para o Vaticano, comentando que estávamos celebrando os 300 anos do faleciment­o de Madre Vitória, que aqui faleceu com fama de santidade”, afirma.

Não havia nenhum processo lá. Em março de 2016, dom Murilo pediu a abertura do processo, autorizado em julho pela Santa Sé. Frei Jociel, um capuchinho que também é o postulador da causa de canonizaçã­o de Frei Damião de Bozzano, começou a constituiç­ão da comissão histórica.

“A previsão é de que ainda esse ano aconteça em Salvador a sessão de abertura oficial do processo. Muitas pessoas dizem ter alcançado graças por intercessã­o dela”, diz o frei.

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