O Senhor do Bonfim chega pelo mar
Foi pelo mar que o Senhor do Bonfim primeiro aportou em Salvador. Era 1745 e, vinda de Portugal, a imagem original do santo provavelmente não teria mesmo chegado aqui de outra forma. Foi trazida por um capitão de mar e guerra português chamado Theodósio Rodrigues de Faria. Morador da cidade baiana, queria agradecer por ter sobrevivido a uma tempestade no mar. Devoto do Jesus Crucificado, prometeu construir uma igreja dedicada a ele.
Pois, 275 anos depois, o Senhor do Bonfim chegou novamente pelo mar. Ontem, véspera da Lavagem do Bonfim, a imagem peregrina do santo – uma cópia da imagem original, que não sai da Basílica – foi levada, em um barco, da Ponta de Humaitá até o Comando do 2º Distrito Naval,
no Comércio.
Depois de uma procissão terrestre da Igreja do Bonfim ao Humaitá, com cerca de 200 pessoas, a imagem peregrina foi embarcada no catamarã homônimo para o traslado marítimo. Acompanhada por três escunas de fiéis e uma lancha de voluntários, a imagem peregrina do Senhor do Bonfim foi levada a um local reservado, nas proximidades da Avenida Contorno, para ser colocada no carro alegórico hoje, quando ocorre o cortejo da lavagem.
Desde que aquela que talvez seja a mair devoção católica de Salvador foi fundada, foi apenas a segunda vez em que a imagem do Bonfim fez um traslado marítimo. A outra vez foi há quase 100 anos: em 1923, para comemorar o centenário de Independência da Bahia, a pedido do então governador J.J. Seabra.
A diferença era justamente o santo. Em 1923, quem fez o percurso foi a imagem oficial. Dessa vez, foi a peregrina; a mesma que será levada pelos fiéis da Igreja da Conceição da Praia até a Basílica do Bonfim, durante a lavagem. Este ano, o andor será colocado em uma alegoria que reproduz uma grande caravela. Envolta por um pano azul para representar o mar, a caravela também será uma forma de representar a própria história da chegada do Bonfim.
“Ficará marcado na história da Bahia e do Senhor do Bonfim o segundo traslado da imagem pelo mar, assim como ele chegou. Estamos comemorando o ano jubilar, de 275 anos da chegada, e temos que programar essas e outras atividades”, afirmou o padre Edson Menezes, reitor da Basílica. O ano jubilar acontece a cada 25 anos contados a partir da data da chegada da imagem à cidade.
PROCISSÃO TERRESTRE
Mesmo a procissão terrestre era esperada pelos fiéis. A copeira hospitalar Jurânia de Oliveira, 52 anos, escutou o convite quando foi a uma das missas da primeira sexta-feira do ano. Naquele dia, decidiu que participaria da missa e da procissão de ontem, dia do seu aniversário. “Amei a ideia, porque é uma forma de lembrar às pessoas que devemos buscar Deus”, disse.
Ela convidou a mãe, a aposentada Maria Joana de Jesus, 79, para assistirem juntas. Emocionada, dona Maria Joana parabenizava “quem teve a ideia”, enquanto tirava fotos ao lado do andor do Senhor do Bonfim. Ainda que não tenha conseguido comprar um dos ingressos para as escunas que acompanharam o traslado, não participar da procissão terrestre não era uma opção para ela.
“A gente tem que resgatar o Bonfim, porque tem ficado muito vazio. Tenho achado desanimado nos últimos anos, por isso a ideia foi boa. É muito bom que a gente já vai rezando até o barco e ainda tem mais uma penitência”.
NOVIDADES DA FÉ
O ineditismo da procissão foi o que deixou a dona de casa Maria José dos Santos, 69, animada. “Eu não sei o roteiro e tudo é uma novidade. Todo ano acompanho a lavagem e a procissão dos três pedidos (no domingo, 19), mas é sempre o mesmo percurso. Espero que essa procissão de hoje cresça como a lavagem cresceu”, afirmou.
Nas ruas entre a igreja e o Humaitá, não faltavam varandas com panos brancos estendidos e imagens do Senhor do Bonfim à vista. Em frente ao Hospital Sagrada Família, um grupo acenava com bandeiras brancas.
Enquanto isso, na frente de casa, a comerciante Maria de Fátima Garcia, 45, controlava a ansiedade para ver a imagem passar. “Estou só esperando ele passar na frente da casa para nos abençoar. Não consigo acompanhar porque trabalho com almoço, mas pelo menos tenho o privilégio de ver do portão”.
Na casa da autônoma Bárbara Pinheiro, 28, toda a família se juntou para esperar o senhor do Bonfim. Colocaram panos em toda a varanda, com imagens do santo e de Nossa Senhora. Bárbara, com o pé enfaixado, também não podia andar até a Ponta do Humaitá. “Esse ano eu estou de molho, mas pelo menos deu para ver um pouco”.
Cerca de 800 pessoas acompanharam a procissão em três escunas. Em cada uma, foi celebrada uma missa para os presentes.
É a mesma emoção do Bom Jesus. Salvador é totalmente cercada pelo mar e o Senhor do Bonfim chegou pelo mar Judith Lima Contadora, 68 anos, tem o costume de acompanhar procissões marítimas.
Essa travessia é uma experiência muito interessante. Para nós, católicos, é maravilhoso Jacira Almeida Aposentada, 71 anos, acompanhou a procissão para rezar pelo neto.