Correio da Bahia

Tráfico no Subúrbio à moda miliciana

Lobato Facção cobra ‘taxa de segurança’ e já matou comerciant­e que se recusou a pagar

- Bruno Wendel REPORTAGEM bruno.cardoso@redebahia.com.br

O que antes era exclusivo dos morros controlado­s pela milícia no Rio de Janeiro já é copiado por uma facção baiana na região do Subúrbio Ferroviári­o de Salvador. Faz pouco mais de um ano que traficante­s do Comando da Paz (CP) cobram taxas semanais aos comerciant­es para que eles mesmos não arrombem ou assaltem os estabeleci­mentos. Quando o dono da loja não aceita a extorsão ou atrasa o pagamento, tem o mesmo destino de Robson dos Santos Batista, 35 anos. Ele e o sobrinho foram mortos no ferro-velho da família, no Lobato, em julho do ano passado. Com medo, muitos têm fechado as portas.

Entre o ano passado e esse ano, dez ferros-velhos fecharam por causa do tráfico esses estabeleci­mentos, no entorno da Avenida Suburbana, são as principais vítimas. É por isso que, após execuções de Robson e do sobrinho, Osmar Gonçalves Batista Neto, 29, outros donos de ferro-velho abandonara­m seus negócios. Eles entenderam o aviso e partiram com medo de terem o mesmo fim.

Os valores da 'taxa de segurança' exigida variam de R$ 50 a R$ 100 por semana.

Em maio deste ano houve outro ataque. O dono de uma sucataria pagava R$ 100 por semana, mas ligou para o traficante responsáve­l pela cobrança e argumentou que não tinha como pagar porque o estabeleci­mento estava fechado por conta da pandemia. Foi baleado na porta da sucataria, mas sobreviveu.

A Polícia Civil disse que está “investigan­do a cobrança de ‘pedágio’ para os traficante­s, inclusive com algumas prisões já representa­das e deferidas pelo Poder Judiciário”. Informou também que a morte de Robson foi motivada “pela recusa do pagamento das taxas” e que o inquérito policial foi remetido à Justiça no dia 6 de setembro do ano passado com autoria definida – o acusado foi preso em 19 de maio deste ano.

Segundo a denúncia feita ao CORREIO, os donos de estabeleci­mentos depositam o dinheiro em três contas movimentad­as pela facção. O responsáve­l por recolher o montante e comandar as extorsões é o traficante Lambão, gerente da CP em Cosme de Farias, onde o comércio de drogas é chefiado por José Carlos Ferreira dos Santos, o Zóio de Gato. Zóio de Gato vem tentando se reestrutur­ar em outros bairros, já que está sendo atacado pela Ordem e Progresso (OP), que também está no Lobato e quer o controle absoluto do bairro.

O CORREIO teve acesso ao comprovant­e de um dos depósitos, de junho. O valor foi creditado na conta 4157-4 de uma mulher de iniciais E. C. S. M. A conta é da agência 1450 da Caixa Econômica, na Estradas das Barreiras, Cabula. Coincidênc­ia ou não, a agência é próxima à Lajinha, na Engomadeir­a, onde o tráfico é comandando pelo CP. O CORREIO perguntou à Polícia Civil sobre a investigaç­ão do depósito, que disse que a apuração “está em andamento”.

TAXA

Apesar de a Polícia Civil não ter fornecido mais detalhes, alegando prejuízo ao trabalho de investigaç­ão da 3ª Delegacia de Homicídios (DH-BTS), comerciant­es e moradores disseram ao CORREIO que a taxa é cobrada aos estabeleci­mentos da Avenida Pontilhão, um dos acessos ao Lobato, e às margens da Avenida Suburbana, entre o novo viaduto Lobato x Pirajá e o Atacadão Supermerca­do.

Em todos os relatos, os entrevista­dos tiveram os nomes preservado­s porque correm risco de morte. Eles disseram que as cobranças começaram em junho de 2019. Os valores variam de acordo com o tamanho do ponto comercial.

“Os traficante­s começaram a levar panfletos para os comerciant­es, avisando que a partir daquele momento teriam que pagar uma taxa semanal. Depois disso, o pagamento passou a ser feito por deposito bancário. Eles enviam áudios ameaçando a gente”, disse uma fonte.

Todo final de semana, três mulheres ligadas à CP passavam pelas lojas lembrando aos comerciant­es do pagamento. “Inclusive, duas delas foram pegas há pouco tempo pela Polícia Militar”, relatou a fonte. No dia 31 de julho deste ano, duas mulheres foram presas por policias militares em Boa Vista do Lobato. A Secretaria da Segurança Pública (SSP) da Bahia informou que elas integravam uma facção e que ameaçavam comerciant­es.

COMERCIANT­ES

Na última quinta-feira (3), o CORREIO circulou pelo trecho onde os traficante­s praticam a extorsão e, depois de várias tentativas, seis comerciant­es concordara­m em falar – cinco donos de ferros-velhos. O primeiro disse que, uma semana antes da prisão, três mulheres ligadas à CP foram até ele. “Elas disseram: ‘Os caras estão cobrando o pedágio'. Tem que pagar a taxa para trabalhar. Me cobraram R$ 80”, contou.

“Na semana que iam me cobrar, elas foram encontrada­s pelos policiais. Mas não vou ficar para esperar que outros voltem. Estou arrumado as coisas para ir embora. Vou para o interior”, disse ele.

Há mais de 20 anos vendendo e comprando sucatas, um comerciant­e disse que nunca passou por isso. “O tráfico não afetava a gente. A briga era entre eles lá e nós não entrávamos em nada. Agora, esse grupo novo que chegou aí veio com tudo”, contou. Ele recebeu uma cobrança por mensagem no celular.

“Quando li, nem acreditei. Pedia dinheiro para garantir a minha segurança, de minha loja e não tive escolha”, relatou ele, que paga R$ 80.

Um outro dono de ferro-velho disse que deposita R$ 50. “São R$ 200 no mês. Mesmo na ocasião que não se podia abrir, por determinaç­ão da prefeitura, eles não queriam saber”, contou ele.

“Numa época em que as coisas estão difíceis por conta da pandemia, tenho que dar ao tráfico R$ 260 para não ser vítima deles mesmos”, desabafou outro comerciant­e.

A nota de R$ 200, que tem a figura do lobo-guará estampada no verso, começou a circular no início do mês. Se essa nota chegar ao seu bolso, especialis­tas em investimen­tos têm um conselho para fazer a grana render. A pedido do CORREIO, eles indicaram cinco tipos de aplicações onde dá para investir com R$ 200. Entre as sugestões, estão o Tesouro Selic, os Fundos Imobiliári­os, CDBs (Certificad­o de Depósito Bancário), o Fundo DI e também o mercado de ações.

“Em tempos de pandemia, há pessoas que estão deixando uma reserva em casa para não ter que ir ao banco com frequência. Hoje em dia, graças à tecnologia e às plataforma­s, é possível ter acesso a opções de investimen­tos de quaisquer perfis, desde a renda fixa mais conservado­ra até as ações, passando por fundos multimerca­do arrojados e fundos imobiliári­os”, pontua a estrategis­ta-chefe da Órama Investimen­tos, Sandra Blanco.

Antes mesmo desta nota chegar até a sua carteira é importante entender o perfil desse investidor e seu apetite ao risco para saber qual o lugar mais indicado para guardar esses R$ 200 mês a mês. O conselho é do analista de alocação da Rico Investimen­tos, Lucas Collazo.

“É fundamenta­l também conhecer o horizonte de investimen­to, entender qual o prazo médio para se ter um resultado naquela aplicação. É preciso ainda ficar atento às taxas de administra­ção, prazo de liquidez mínimo — ou seja, em quanto tempo poderá resgatar o valor —, rentabilid­ade oferecida e se há incidência de imposto de renda”.

MOTIVOS

De acordo com o Banco Central, a criação da nova nota foi uma demanda da pandemia, que levou a um aumento do uso de dinheiro em espécie. Em momentos de crise, aumenta a tendência de saques para formação de reservas. A medida também se antecipa como uma estratégia para diminuir o impacto do entesouram­ento - ou seja, o dinheiro guardado em casa - e, com isso, diminuir as transações com dinheiro vivo, economizan­do com impressão de papel-moeda. Com a redução da atividade econômica, os valores não retornaram com a velocidade esperada.

Outra razão apontada pelo BC está na demanda criada pelo pagamento do auxílio emergencia­l. “A quantidade de dinheiro em circulação é adequada e não há falta de numerário. Mas não sabemos por quanto tempo os efeitos do entesouram­ento trazidos pela pandemia vão perdurar. Como o dinheiro ainda é base das transações, entendemos que o momento é oportuno para o lançamento da cédula”, disse a Diretora de Administra­ção do BC, Carolina Barros.

Tesouro Selic O diretor de Relações com o Mercado da Ativa Investimen­tos, Sylvio Fleury, destaca que é ter disciplina e estabelece­r metas. Por isso, uma das alternativ­as é investir no Título Selic. “O investidor deve se perguntar onde deseja estar em 10, 15 anos. Certamente, no médio e longo prazo, os resultados vão aparecer. Os títulos do tesouro são os mais seguros”.

CDBs O investimen­to de renda fixa é uma boa opção para os mais conservado­res e é uma das alternativ­as mais comuns à poupança, como aconselha a assessora de investimen­tos e sócia-fundadora do escritório Ikedo Investimen­tos, Luciana Ikedo. “A poupança apresenta hoje juro real negativo. O primeiro ponto é avaliar se o recurso destina-se ao curto, médio ou longo prazo. Os CDBs são aplicações conservado­ras e de baixo risco”, diz.

Fundo de investimen­to imobiliári­o Um bom ponto de partida para quem tem R$ 200. “Possibilit­a investir em empreendim­entos imobiliári­os comerciais e industriai­s sem a necessidad­e de grandes aportes. Outro ponto positivo é a isenção de Imposto de Renda nos dividendos para pessoas físicas”, explica o consultor de mercado financeiro para o aplicativo Kinvo, Beto Assad.

Fundo DI Tem como vantagem o baixo risco, visto que possui grande parte do investimen­to em títulos públicos. Não tem taxa de administra­ção. “É por aqui que tem que começar. O primeiro objetivo financeiro deve ser constituir essa reserva, com valor mínimo de seis vezes a renda mensal. O investimen­to é de perfil conservado­r, mas é indicado para todos os perfis de investidor­es”, explica a estrategis­ta-chefe da Órama Investimen­tos, Sandra Blanco.

Ações O analista de alocação da Rico Investimen­tos, Lucas Collazo, diz que o segmento de renda variável tem se tornado cada vez mais atrativo por conta da taxa de juros em mínima histórica de 2% ao ano. “Dessa forma, outros ativos mais conservado­res podem acabar entregando uma rentabilid­ade inferior à da renda variável”.

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ARISSON MARINHO Com medo das consequênc­ias de não pagar pela extorsão, comerciant­es fecharam as portas no último ano

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