Black money em águas profundas
Quem ama programas de reality show foi surpreendido essa semana por ver duas empreendedoras soteropolitanas no Shark Tank Brasil (Sony Channel). Mais que nadar entre os investidores, a participação da Wakanda Educação Empreendedora, representada pela sua idealizadora Karine Oliveira, emprestou mais visibilidade a uma iniciativa que se propõe a ajudar micros e nano empreendedores a utilizarem a economia circular como uma forma de garantir qualidade de vida, especialmente à população negra das comunidades de Salvador.
Depois de receber quatro propostas, a Wakanda fechou parceria com a investidora Camila Farani, possibilitando a Karine realizar um sonho. “Quando comecei a trabalhar com essa proposta de educar para o empreendedorismo, ouvi que não conseguiria vencer em Salvador. Nesses dois anos, conseguimos ajudar mais de 300 empreendimentos com a consultoria e, durante a pandemia, conseguimos construir uma metodologia inédita de atuação em rede, favorecendo 23 famílias para a produção em escala de máscaras e geramos quase R$40 mil de renda para essas famílias”, comemora.
Moradora do Engenho Velho da Federação, Karine diz que a perspectiva de atuação com o chamado black money (dinheiro negro) sempre ocorreu nos bairros periféricos, porém, o movimento era feito sem intencionalidade. “A Wakanda prepara esses empreendedores para atuarem com excelência, sendo escolhidos não porque são mais baratos, mas porque são muito bons”, diz.
INVISIBILIDADE
Para a empresária social, nas periferias existem empreendimentos “incríveis”, mas como são feitos por necessidade, terminam inferiorizados. “Nossa proposta é preparar esses empreendedores pretos para atuarem num outro nível de qualidade, possibilitando que essa troca de dinheiro de fato aconteça entre nós”, completa.
Na verdade, a Wakanda esteve no Desafio Salvador Resiliente - Mulheres e Tecnologia, promovido pelo Sebrae Bahia, Prefeitura de Salvador, Fundação Avina, BidLab e Redes de Cidades Resilientes, e ficou entre as quatro que receberam investimento para implementação de projetos.
Karine defende que a presença num programa nacional não foi uma conquista pessoal, mas o resultado de uma rede de apoio de outros tantos afroempreendedores que entendem a perspectiva de uma economia voltada para a população negra. “Só consegui estar lá porque outras mãos me ajudaram e isso foi muito significativo, pois existe uma invisibilidade dos negócios negros nessa cidade”, explica.
A própria Camila Farani vibrou com a possibilidade de apresentar ao Brasil um tipo de empreendedorismo diverso do tradicional. “Vivemos um novo momento e é muito bom participar dele”, justifica.
VISIBILIDADE
Professora universitária, jovem e dona de uma livraria (@sertaolivrariaecafe), a coordenadora dos projetos de extensão em diversidade da Ânima e empreendedora Jancleide Góes reconhece que falar de afroempreendedorismo no Brasil é trabalhar com conceitos diversos. “Meu perfil de empreendedora é diferente do da minha mãe, por exemplo, que sempre teve pequenos negócios, como costureira, vendedora de salgados e doces, como forma de complementar a renda de casa. Acredito que há uma multiplicidade no empreender da população negra, enraizada em nossa história passada”, salienta.
Para ela, todo movimento que divulgue as ações dos afroempreendedores é importante por fortalecer as resistências. A professora salienta que empreender com tranquilidade, com capital de giro e com acesso a capital sempre foi um privilégio branco e de poucas pessoas. “As mulheres negras têm três vezes mais créditos negados do que homens brancos. A desigualdade no mercado financeiro é racial e de gênero. Ter movimentos para nomear nossas ações é uma afirmação identitária e que contribui com toda sociedade”, fala.
SALVADOR