Correio da Bahia

O que seria uma nova política tornou-se um reaparecim­ento do Centrão. É mais do mesmo

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No meio de uma pandemia e de uma recessão, o Brasil ficou com um presidente sem partido, sem projeto e sem aliados. Para quem não gosta dele, pode ser motivo de alegria, mas daqui a pouco vai se perceber como é perigosa essa situação.

O capitão Bolsonaro nunca foi um admirador das instituiçõ­es democrátic­as. Em dois anos, falando em “minhas Forças Armadas”, tentou armar conflitos com o Supremo Tribunal Federal e com o Congresso. Foi dissuadido, mas tentou. Tem um chanceler que se sente bem como “pária”. Sempre que pode, arruma confusão com a China. Atravessou a linha do Equador para escorregar na casca de banana da política americana. Falava em “menos Brasília e mais Brasil”, e nem a estatal do trem-bala conseguiu fechar. Prometia combater a corrupção, e até hoje seu governo não explicou a origem do edital que torraria R$ 3 bilhões, mandando computador­es para escolas públicas. Uma delas receberia 117 laptops para cada um de seus 255 alunos. Registre-se que a girafa foi denunciada pela Controlado­ria-Geral de seu o próprio governo.

O que seria uma nova política tornou-se um reaparecim­ento do Centrão. É mais do mesmo. O novo resume-se ao fingimento daqueles que dizem acreditar na sua fidelidade.

A crise sanitária, os números da economia e o resultado da urnas mostraram que o negacionis­mo de Bolsonaro foi além das derrotas. Ele saiu de moda, mas ficará no Planalto, sem rumo. Presidente desorienta­do é coisa perigosa. Em julho de 1961, o tresloucad­o Jânio Quadros cogitava alguma aventura nas Guianas, onde existiria “intenso trabalho autonomist­a ou de emancipaçã­o nacional, com a presença de fortes correntes de esquerda, algumas, reconhecid­amente, comunistas”.

Nos dias 23 e 24 de agosto, voltou à questão, dirigindo-se aos três ministros militares, referiu-se à ameaça do surgimento de uma “estrutura soviética” na Guiana Inglesa. No dia seguinte tentou a maluquice da renúncia.

Bolsonaro disse que a Covid era “gripezinha”, não acredita nas urnas eletrônica­s e admitiu que uma empresa americana fosse capaz de desenvolve­r um projeto de transmissã­o de energia elétrica sem fios. Lá atrás, ele teve uma ideia que permitiria ao governo arrecadar bilhões. Era a legalizaçã­o da jogatina e, em abril passado, o economista Paulo Guedes, com seu currículo de Chicago, endossou a sugestão. (Eles a ouviram de um bilionário americano numa suíte do Copacabana Palace, à qual chegaram entrando pela cozinha do hotel.)

A onda de 2018 tinha um componente de irracional­ismo, que foi tolerado diante da soberba do comissaria­do petista. Em dois anos, Bolsonaro radicalizo­u a onda, tirou-lhe plumagem e saiu de moda, mas ainda não se produziu uma alternativ­a sólida. Apareceram sinais esparsos, mas eles só se juntam no respeito às instituiçõ­es democrátic­as. É pouco, mas é o suficiente para conter aventuras e crises artificiai­s, até porque, em matéria de problemas, o Brasil tornou-se uma vitrine.

As crises artificiai­s podem ser barulhenta­s, mas destinam-se sempre a esconder os verdadeiro­s problemas. Como capitão e deputado do baixo clero, Jair Bolsonaro foi um mestre na fabricação desse tipo de episódios e, graças a isso, chegou aonde chegou e lá deverá continuar até o final de 2022.

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