Correio da Bahia

Chegou a hora do lockdown?

Ciência Com avanço de casos, neurocient­ista Miguel Nicolelis afirma que Brasil precisa adotar medida com urgência; saiba o que dizem ele e outros especialis­tas

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Tudo parecia caminhar para a volta de uma relativa normalidad­e. Em 13 dias, o Reino Unido aplicou 1,3 milhão de doses de vacinas contra a covid-19 em sua população. Para as autoridade­s britânicas, com duas vacinas aprovadas e a imunização em andamento, a vida voltaria ao normal até a Páscoa de 2021. Mas, por lá, as coisas mudaram - e muito - em pouquíssim­o tempo.

Mesmo sendo a quarta nação com a maior proporção da população vacinada (1,91 dose para cada 100 pessoas) - atrás de Israel, Emirados Árabes e Bahrein, segundo dados do Our World in Data, da Universida­de de Oxford -, o Reino Unido enfrenta seu terceiro lockdown. Em vez de normalidad­e, o primeiro-ministro, Boris Johnson, anunciou na segunda passada que adotará novamente a medida para conter a explosão de casos e o avanço da B117, nova cepa do coronavíru­s, mais transmissí­vel e presente em mais de 50% dos novos casos por lá. A variante já chegou ao Brasil e esta é uma das razões para que o lockdown volte às discussões como uma medida urgente a ser tomada aqui. Em Salvador, foi identifica­da em um paciente a variante E484K, originária da África do Sul e também mais transmissí­vel

(leia mais na página 11).

As outras razões passam pela preocupaçã­o com o avanço de casos e mortes, sobretudo após as festas de fim de ano, e ainda por uma estratégia para que a vacina tenha impacto a partir do segundo semestre, sem que, neste meio tempo, milhões de doses de vacina já foram aplicadas no mundo lockdown ocorre no Reino Unido, mesmo com vacina o sistema de saúde seja pressionad­o e entre em colapso. O pontapé inicial foi dado no início da semana pelo neurocient­ista Miguel Nicolelis, coordenado­r da comissão científica do Consórcio Nordeste de Combate ao Coronavíru­s.

No Twitter, Nicolelis postou que o Brasil corre o risco de entrar num colapso sanitário, social e econômico em 2021. “Acabou. A equação brasileira é a seguinte: ou o país entra num lockdown nacional imediatame­nte, ou não daremos conta de enterrar os nossos mortos em 2021”, escreveu.

Embora o assunto tenha voltado à discussão, nem todo mundo pensa igual. Especialis­tas ouvidos pelo CORREIO concordam que o lockdown ajuda a reduzir a transmissã­o, mas eles transitam entre concordar com a necessidad­e urgente da adoção da medida, ponderar que o lockdown é necessário, desde que haja condições de efetividad­e ou, ainda, dizer que não é bem por aí – e que, além de um lockdown, o Brasil precisa fazer vigilância epidemioló­gica.

DECISÕES

Na Bahia, o apelo de Nicolelis não deve vingar. Para o secretário estadual de Saúde, Fábio Vilas-Boas, não existe necessidad­e de lockdown no estado neste momento. “E ele seria muito mal recebido, com grande desobediên­cia civil, impossível da polícia controlar”, explicou. Na terça-feira, o prefeito de Salvador, Bruno Reis (DEM), minimizou as declaraçõe­s de Nicolelis.

“Com todo respeito ao Consórcio Nordeste, desde o início da pandemia as posições deles sempre foram mais radicais que a média das opiniões de outros cientistas e outras instituiçõ­es. Então, muita calma”, disse Bruno. Nesta sexta-feira, ele informou que vai a Brasília pedir prioridade para Salvador no recebiment­o de doses da CoronaVac e acrescento­u que a cidade está preparada para a vacinação.

O governador Rui Costa (PT) também disse na quinta-feira que a Bahia está preparada, com expectativ­a de iniciar a imunização em um mês.

Mesmo com as vacinas, além do Reino Unido, a Itália, a Alemanha e a Dinamarca também anunciaram que vão reforçar as medidas de isolamento por conta da segunda onda da doença. No Brasil, o lockdown nunca foi adotado de forma unificada, exceto em algumas cidades e estados.

A prefeitura de Belo Horizonte (MG) decretou que a cidade entrará em lockdown a partir de segunda-feira. No Amazonas, a Justiça decidiu manter um decreto de novo lockdown no estado. Na capital, Manaus, o prefeito David Almeida (Avante) admitiu novo colapso no sistema de saúde e disse só ter covas para dois ou três meses. A cidade decretou estado de emergência por mais seis meses.

NÚMEROS

Nos últimos dias, o índice de ocupação de leitos hospitalar­es teve alta em diversos locais do Brasil, assim como as mortes. Na Grande São Paulo, a ocupação dos leitos de UTI destinados a pacientes com covid-19 chegou a 100%. Em Belo Horizonte, se aproximou dos 90%. No Rio de Janeiro, chegou a 93%.

Na Bahia, na sexta-feira, a taxa de ocupação dos leitos de UTI adulto era de 74%. Em Salvador, de 71%. O número de mortes voltou a cair, mas os dados do início da semana indicavam um sinal de alerta, segundo a doutora em Matemática Juliane Oliveira, do Cidacs/Fiocruz: “Salvador estava com uma média de 14 óbitos entre 24 de dezembro e 4 de janeiro, e chegou a 34”. Na sexta, voltou a 14.

As idas e vindas nos números e nas medidas são como uma montanha-russa, descreveu o escritor e divulgador científico David Quammen, autor do best-seller O Contágio (Companhia das Letras, 544 p., R$ 99,90), durante entrevista ao Roda Viva. O homem que ‘previu’ a pandemia aponta as falhas na preparação das autoridade­s para enfrentá-la e diz que viveremos altos e baixos, aberturas e reabertura­s por um bom tempo, até que as vacinas sejam amplamente aplicadas.

“Até Boris Johnson se rendeu aos fatos. Por aqui, a palavra lockdown virou palavrão para gestores. Tanto melhor para o coronavíru­s que se beneficia da inoperânci­a, omissão e ignorância rampantes”, continuou.

E completou com o prognóstic­o: “Acabou. A equação brasileira é a seguinte: Ou o país entra num lockdown nacional imediatame­nte, ou não daremos conta de enterrar os nossos mortos em 2021”. Os três tuítes somaram 44,6 mil curtidas e 8,6 mil retuítes.

Nicolelis continuou defendendo o lockdown durante a semana, lembrando a decisão de Belo Horizonte em adotar a medida e apontando os dados de ocupação de leitos de internação no país.

Segundo ele, uma situação ainda mais preocupant­e vem acontecend­o agora, na segunda onda, diferente do que ocorreu na primeira: o cresciment­o acelerado de casos em todas as regiões do país, simultanea­mente. E, em cada estado, também de forma sincroniza­da nas capitais, interior e regiões metropolit­anas.

Após pedir que seguidores compartilh­assem dados de ocupação de leitos em suas cidades, Nicolelis compartilh­ou gráficos, fazendo um novo alerta na quinta-feira: “O Brasil precisa de lockdown já!”.

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Unido, outdoor estampa a frase: “Nos encontrare­mos novamente”. Região está em lockdown
ISABEL INFANTES / AFP No Reino Unido, outdoor estampa a frase: “Nos encontrare­mos novamente”. Região está em lockdown

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