Correio da Bahia

‘O racismo é sutil, magoa muito'

- Laura Fernandes REPÓRTER laura.fernandes@redebahia.com.br

Quando viu que o mercado da moda era tão racista, o estilista baiano Isaac Silva, 31 anos, pensou em desistir. Mas antes que o roubassem o sonho, ele disse: "Não. Vou fazer a diferença, mesmo que doa". Estreante dos últimos desfiles do São Paulo Fashion Week (SPFW) e do Afro Fashion Day (AFD), Isaac conta que buscou as referência­s negras já existentes e, quando viu que não estava sozinho, se agarrou à frase ‘Acredite no seu axé’.

É esse lema que hoje está estampado em sua loja no Centro de São Paulo e dá nome à coleção mais recente inspirada em Iemanjá, apresentad­a no SPFW. São roupas que servem para homens, mulheres, altos, baixos, magros ou gordos. Moda, para ele, tem que ser sinônimo de bem-estar e de reforço na autoestima.

Nascido em Barreiras, o queridinho de famosas como Taís Araújo, Djamila Ribeiro, Liniker e Elza Soares defende, nesta entrevista, que representa­tividade importa e que a moda funciona como ferramenta para enfrentar o preconceit­o. Confira.

De que forma a moda está ligada ao bem-estar?

A moda inspira muito. Só de tomar um banho e passar um produto de cosmético, que já é moda, mexe com a autoestima. Nessa pandemia, as pessoas procuraram roupas confortáve­is e alegres. A inspiração do autocuidad­o reflete na moda. Você vê que todas as marcas investiram no bem-estar, no conforto. Minhas coleções sempre foram muito híbridas, para todos os tipos de corpos, gêneros. A marca já vinha nesse viés - com as estampas, com a frase ‘Acredite no seu axé’, com mensagens positivas nas redes - a pandemia só fez reforçar.

O bem-estar também passa pela representa­tividade? Uma marca que não fala sobre o momento atual, não cabe mais existir. As pessoas buscam marcas que se posicionem de alguma maneira. Onde está nossa representa­tividade na moda? Cadê nossos corpos normais? Desde a primeira coleção, eu sempre trouxe uma representa­tividade maior da mulher negra brasileira, que é a base dessa pirâmide. Quando coloco as pessoas negras no protagonis­mo, não existe perda. É uma marca que contribui contra o racismo. Quer ser antirracis­ta? Compre de pessoas pretas.

Em entrevista recente, você disse que o mercado da moda não te absorveu de início. Como driblou essa falta de espaço?

Não desisti. Procurei referência­s e encontrei Luiz de Freitas, estilista do Rio de Janeiro da década de 80, que pouco se falou dele. Encontrei Ann Lowe, que fez o vestido da Jacqueline Kennedy; os blocos afros, Goya Lopes... Vi que não estava só e veio a mensagem ‘Acredite no seu axé’.

Alguma situação de racismo ficou marcada em sua memória?

Nunca teve algo explícito, porque o preconceit­o é uma neblina. São coisas sutis que doem muito. Sutileza quando vai fazer uma entrevista de emprego e não vai conseguir aquela vaga por ser nordestino, ou por conta da cor. Dentro da moda, nos meus três primeiros desfiles, sempre coloquei um percentual grande de modelos negros, negras e gordos. Mas as agências não tinham esses modelos. O preconceit­o racial não me dá a oportunida­de de conhecer esses modelos, então eu fui buscar alternativ­as e treinar pessoas. Tinha maquiadore­s que só levavam produtos para pele branca, então os modelos negros tinham

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