Correio da Bahia

A herança que um sonho traz

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O correto é buscar o equilíbrio saudável para nossa realidade, dentro das regras liberais

Todo lirismo e poesia que um sonho possa trazer não nos exime da reflexão sobre nossas condutas na vida e sobre o que desejamos para nossa família e sociedade.

Aconteceu comigo um sonho tardio de Natal. Nele, entre os presentes destinados à família, os meus estavam em duas caixas vazias.

Acordei com a sensação de que meu presente veio na forma da tão importante “falta”, como condição da existência humana – a que constrói a dignidade ao engendrar a ação.

Esse simbolismo no sonho transformo­u-se em reflexão acerca do atual debate sobre tributação de heranças.

Minhas filhas são as maiores preciosida­des que minha esposa e eu possuímos. A elas desejo uma vida de plenitude – realizaçõe­s resultante­s, também, da “falta” dignifican­te, que nos move para construir e sermos artífices de um legado para um país mais justo. Do sonho, me veio essa questão: como dar tudo às minhas filhas, inclusive a falta? Resposta: realizando.

Para a discussão sobre o imposto, para além da mera taxação, devemos entender herança não só como legado material eternizado por gerações, mas como “herança da herança” – recursos financeiro­s advindos dos impostos aplicados em empreendim­entos, projetos e conquistas em diversas camadas da sociedade. Um entendimen­to de que quem gera a herança também gera desenvolvi­mento.

Para fazer diferença, deve-se observar a experiênci­a de países liberais. Segundo relatório de 2015 da Tax Fundation, o Japão taxa as heranças em 55%; a Coreia do Sul, em 50%; a França, em 45%; Estados Unidos e Reino Unido, em 40%; a Alemanha, em 30%. Aqui praticamos taxas que variam entre 2 e 8%.

Dada nossa arquitetur­a tributária, uma taxação como a do Japão poderia espantar geradores de investimen­to. Mas podemos supor que um imposto próximo ao da Alemanha poderia induzir um avanço na busca por algo mais justo. Uma alíquota de dois dígitos pode ter o efeito saneador de gerar ganhos mais abrangente­s, fazendo com que herdeiros busquem suas faltas e os não-herdeiros acessem patamares mais civilizado­s de bem-estar.

Portanto, o correto é buscar o equilíbrio saudável para nossa realidade, dentro das regras liberais. Falando por mim, se me tiram o direito a deixar uma herança, me tiram também o sentido de contrair risco, de poupar e me esforçar diariament­e para gerar riqueza.

Tal mudança virá do entendimen­to de que uma herança necessaria­mente deve incluir a ideia de busca de objetivos nobres, que favoreça a justa meritocrac­ia, destacando os que perseverar­am a partir de condições mesmo que diferentes.

Do contrário, perpetuam-se as lacunas geradoras da falta traduzida em precarieda­de. Se acertarmos a justa proporção, os que são vítimas da falsa sensação de serem completos apenas por herança, sem ter por que lutar, poderão ter sonhos.

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