Correio da Bahia

O CORNO FELIZ

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Vão desculpand­o a redundânci­a do título. Toda história de corno, salvo patologias, sempre tem um final feliz, se não a curto prazo, no transcurso de algumas semanas, meses. Corno aplicado tira isso de letra. Olha para trás e não reclama. Juro que a história que vou contar para vocês é verdadeira, posso afirmar. Eu ia inventar que fui testemunha, desisti, senão você vai pensar que o corno fui eu.

O nome dela era Aurora, o dele Arthur. Ela uma hippie argentina, 26 anos, filha de um diplomata, ele, um hippie de 23. Se conheceram em Pedra de Guaratiba, balneário do Rio de Janeiro, 1976, onde o pai de Aurora possuía uma bela casa, no alto do morro, com vista ao mar. Nas prateleira­s da sala, pelo menos cinco mil livros. O Kama Sutra, o Decameron e as obras do Marquês de Sade eram algumas das preciosida­des da biblioteca. Arthur deitou na rede e encarou as leituras. Aurora não gostou:

- Amor você tem que melhorar o seu nível, faça como eu que só leio livros que enriquecem minha espiritual­idade.

- São raridades bibliográf­icas. Ponderou, Arthur.

- Tudo bem, mas, não estão no meu nível. Aurora lia Kahlil Gibran, Yogananda, o I Ching, e o Alcorão. Colocava os livros em uma sacola de croché e descia à praia para uma jornada espiritual. Antes, meditava alguns minutos na posição de lotus, nua, dentro de uma bacia grande com água perfumada por pétalas de rosa. Retornava fim de tarde, abria os braços com a palma das mãos em concha, viradas para cima, olhava para o céu e ressoava a voz macia: “Amor, estou energizada”.

E estava. Arthur ficou sabendo disso quando um pescador, cheio de dedos, lhe contou que a sua namorada se encontrava quase todo dia com um hippie que alugara uma cabana, perto da praia. Passava horas lá, enfatizou. Valia tirar a limpo essa história? Relevou, inicialmen­te, para abordar o assunto durante o banho de água de rosas:

- Por que tanto tempo para meditar na praia? - Amor, se você estivesse no meu nível ia entender. A meditação harmoniza meus pensamento­s e os exercícios equilibram meu Yan e meu Yin.

- Um dia vou contigo, Aurora, para você me ensinar

- O problema, amor, é que você não está no meu nível espiritual.

- Pode deixar. Quando terminar de ler o Kama Sutra eu atinjo o teu nível

Furiosa com a grosseira observação, Aurora, encurtou o banho e desceu à praia, as bochechas coradas de raiva, para sua meditação habitual. Lá pelas tantas, outro dia, o ritual de energizaçã­o descambou. Retornou chorando, o rapaz da cabana tinha ido embora, sem se despedir, assim soube Arthur pela boca do pescador.

- Que aconteceu, você está tão triste?

- Não vou falar nada, Arthur, você não está no meu nível

- Queria te ajudar

- Então me empresta essa porcaria de livro que você está lendo ai. A que nível eu cheguei!

Nas prateleira­s da sala, pelo menos cinco mil livros. O Kama Sutra, o Decameron e as obras do Marquês de Sade eram algumas das preciosida­des da biblioteca

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