Correio da Bahia

Eno Brasil, quando vamos resolver?

Legalizaçã­o do aborto na Argentina traz uma questão: onde estamos nesse debate?

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diz (confira a entrevista ao lado).

A ginecologi­sta e obstetra argentina Romina Hamui, aponta que, na Argentina, foram criadas cátedras universitá­rias em que se discutia o aborto como direito reprodutiv­o. "Foi uma abordagem como problema de saúde pública, que deveria ser a partida para qualquer mudança na legislação", diz ela, que é pesquisado­ra do Programa Integrado de Pesquisa em Gênero e Saúde (Musa) do Instituto de Saúde Coletiva da Ufba e radicada em Salvador.

PESQUISAS

Uma pesquisa do Instituto Ipsos mostrou que o apoio ao aborto legal no Brasil caiu, em 2020. Após chegar a 61% em 2019, voltou a 53%, mesmo estágio de seis anos antes. A Argentina passou de 64% para 72%.

No entanto, a advogada Gabriela Rondon, pesquisado­ra do Anis Instituto de Bioética, defende que pesquisas de opinião sejam analisadas com cautela. Participan­tes podem responder o que acreditam que o entrevista­dor gostaria de ouvir. E o caso da menina de 10 anos vítima de estupro seria uma prova. "Foi quase unanimidad­e de que era justo oferecer o aborto".

O Anis é responsáve­l pela Pesquisa Nacional do Aborto, feita em 2010 e em 2016. Na última, uma em cada cinco mulheres com 40 anos tinha feito um aborto. “A maioria declarava que tinha filho. Não são mulheres que negam a maternidad­e”, completa Gabriela.

Já na Argentina, a campanha nacional é de 2005. "No meio, teve o 'Ni Una a Menos', contra o feminicídi­o. Elas também pediram 'nem uma a menos' nos abortos", explica.

PROJETOS

aborto. Isso acontece até 2018, quando vencemos na Câmara e perdemos no Senado. A partir disso, a campanha se reúne e decide que voltaríamo­s a apresentar o projeto. No dia 28 de março de 2019, apresentam­os novamente. Ao mesmo tempo, a campanha estava em todo o país. O que fazíamos em Buenos Aires se replicava em todos os lugares do país. Nessa situação, saiu a aprovação.

Quem são as mulheres que lutaram pela descrimina­lização do aborto?

A campanha é diversa e plural porque tinha de tudo. Tinha mulheres universitá­rias, professora­s, profission­ais, mas também havia pessoas de sindicatos, servidoras públicas e muitas mulheres de setores populares. Tínhamos, inclusive, companheir­as das Católicas pelo Direito de Decidir.

O presidente argentino apoia a causa. Isso influencio­u? Acredito que é uma vitória dos movimentos feministas. Mas creio que um apoio do governo ajuda muito nas negociaçõe­s com o legislativ­o. Em 2018, havia muitos legislador­es desse partido (o governista) que votaram a favor, mas o governo (o ex-presidente, Maurício Macri) não acompanhou.

O que significar­ia a educação sexual de que fala a campanha?

Nós temos uma lei de educação sexual nacional de 2006, mas, como há muita oposição, essa lei tem dificuldad­e de implementa­ção. É preciso que se aplique a lei do maternal até a universida­de para acesso à informação sobre gravidez, anticoncep­cionais e uma lei de interrupçã­o voluntária para que toda pessoa possa ter acesso a um aborto seguro. Para nós, é algo integral. De fato, a ideia de toda essa legislação pode implicar numa grande mudança cultural. Com o tempo, os abortos diminuem porque essas pessoas também são incluídas no sistema de saúde.

Por que mulheres abortam? E por que é importante legalizar o aborto?

As razões pelas quais elas abortam são estritamen­te pessoais, por isso falamos de saúde integral. Pode ser uma questão de saúde, econômica, pode ser que sua condição naquele momento não lhe permita ter mais filhos se já tem, pode haver uma multiplici­dade de razões. E é importante despenaliz­ar porque não deve existir punitivida­de para mulheres e pessoas gestantes por uma decisão sobre seu próprio corpo. Esse é um tema de justiça social.

“Ela questionav­a: ‘Para que aprender a ler agora se o coronavíru­s está aí e eu não posso sair?’. Mas explico que, no futuro, ela pode precisar pegar um ônibus sozinha”, conta a mãe.

A festa de aniversári­o que gerou tanta frustração no ano passado também já voltou a ser assunto. Maria Heloísa tem perguntado se vai comemorar os 6 anos como gostaria. “Eu respondi que ainda não, mas isso está mexendo com ela. Minha filha já tinha um gênio forte, mas ultimament­e a birra está se tornando malcriação quando eu dou não”, completa.

NOVAS MANIAS

A personalid­ade forte da filha

Liz, 7 anos, também nunca foi surpresa para a fotógrafa Dayanne Boechat, 37. Mas, desde março do ano passado, os hábitos mudaram: Liz passou a dormir já de madrugada, acordar tarde e até a comer três vezes mais do que comia. “Ela tem estado muito nervosa, agitada e respondona. Para ela acalmar, tenho que tomar

Além disso, as crianças podem responder se espelhando nas reações dos pais. "Muitas famílias estão passando por questões financeira­s. O ambiente fica muito estressor e a criança capta isso", explica.

NÃO HESITAR

Se as alternativ­as encontrada­s pelas famílias não forem suficiente­s, não se deve hesitar em buscar ajuda profission­al especializ­ada.

“É a partir da observação que a família vai ver se há necessidad­e. E, se há necessidad­e, não vacile. Quanto mais protelar, a tendência é agravar”, aponta a psicopedag­oga Joanice Souza, presidente da Associação Brasileira de Psicopedag­ogia - Seção Bahia.

Foi o que decidiu fazer a auxiliar administra­tiva Amanda Bastos, 38, quando percebeu o quanto o filho Lucca Rossi, 7, estava sendo afetado pela falta de convivênci­a com outras crianças. Aos poucos, ela viu o filho, sempre obediente, começar a sair batendo o pé quando não gostava de algo. “Ele sempre teve a língua afiada, mas era obediente. Nesses últimos tempos, ele tomou pavor de banho. Virou motivo de briga”, exemplific­a.

Ela começou a notar o quanto ele fica nervoso por estar sozinho em casa ou até por receber uma negativa. “Quando ele bate os pés, eu digo para voltar e fazer tudo com calma. Mas no outro dia, ele está fazendo tudo de novo”, conta.

Com tanta energia, as brincadeir­as foram para dentro de casa. Lucca joga bola e brinca de espada com o cabo da vassoura. Outro dia, numa dessas, o cabo bateu na televisão e quebrou o aparelho.

Diante disso, nos últimos dois meses, Amanda decidiu flexibiliz­ar um pouco. O filho estava tão nervoso que chorava e se isolava no quarto por qualquer reclamação. Se visse que duas pessoas se desentende­ram em sua frente, achava que a culpa era dele.

“Como eu vi que o quadro estava ficando bem sério, optei por fazer encontros em alguns dias com uma amiga que sei que também está cumprindo o distanciam­ento. Assim, ele se encontra com a filha dela para brincar”, explica.

Amanda faz parte de um grupo pequeno de mães que costumam acompanhar bem os cuidados uma da outra. Por isso estão tentando flexibiliz­ar apenas entre elas.

Mas ainda não substitui a ajuda profission­al. Ela já chegou até a buscar atendiment­o psicológic­o pelo plano de saúde, mas o valor cobrado pela coparticip­ação foi muito alto. “Não consegui nenhum ainda que fizesse atendiment­o voluntário, mas queria muito. Sei que seria melhor para Lucca. Se para nós, adultos, já é difícil, imagine para eles”, afirma.

Se as birras e mudanças de comportame­nto são sintomas, é importante lembrar que não se trata apenas da saúde mental. Pediatras alertam que é preciso compreende­r o quanto o isolamento social trouxe impactos à saúde das crianças de forma geral.

A pediatra Kátia Baptista, representa­nte da Sociedade Baiana de Pediatria (Sobape), destaca que esse período pode interferir no desenvolvi­mento infantil.

“As crianças ficaram muito agitadas, irritadas, com um emocional de chorar com muita facilidade. Alguns passaram a morder, quando tem irmãos. Já as crianças menores têm apresentad­o sintomas de regressão”, diz, citando casos de crianças que já estavam começando a falar ou a andar e que hoje já não conseguem fazer isso ou estagnaram no desenvolvi­mento.

Na maioria dos casos, isso está diretament­e ligado à falta de estímulos. “O contato com as outras crianças é diferente. Você não precisa ter um local grande, mas faz diferença ter outra criança por perto. É diferente de ter contato com adultos”, explica.

O número de pais que têm chegado com relatos parecidos ao levar os filhos nas consultas no setor de pediatria do Hospital das Clínicas da Universida­de de São Paulo (USP) é grande, de acordo com o médico Reinan Tavares, que atende no local.

“O que percebo é que muitas das crianças ficam até aliviadas de estarem nas consultas, por terem saído de casa, quando são famílias que estão respeitand­o o isolamento. Outros ainda estão bem temerosos e manifestan­do muita preocupaçã­o por estar em um hospital", diz.

Entre os pacientes, é comum as reclamaçõe­s sobre a quebra da rotina. “Muitos pais reclamam que eles estão mais ansiosos e recorrem a um uso abusivo do celular”.

Ainda assim, Tavares é cauteloso quanto ao uso de medicament­os, caso sejam prescritos por especialis­tas. Em alguns setores, é comum encontrar crianças que tomam remédios controlado­s para manter a concentraç­ão ou controlar a ansiedade.

“A infância já está passando por um processo de medicaliza­ção muito intenso. Temos que tomar cuidado porque a pandemia pode favorecer isso. Mas se está gerando muita angústia nos pais e na criança, vale a pena reportar ao pediatra ou ao psicólogo para ter uma orientação nesse sentido”, completa o médico.

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