Correio da Bahia

Que fim levou a Capelinha?

Picolés Em meio a rumores de queda de qualidade, donos afirmam que deram um tempo para se modernizar

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Carregar nos ombros um patrimônio cultural e gastronômi­co da Bahia deve pesar bastante. Que o diga Orlando Melo da Rocha, 71 anos. Ninguém levou nas costas por tanto tempo a caixa de isopor contendo a mais famosa sobremesa das nossas ruas e praias, um monumento em forma de picolé. De tanto vender Capelinha, seu Orlando desenvolve­u uma deficiênci­a física e passou a colocar o isopor no carrinho. Nem assim largou o ofício. Muito menos a marca. “Sempre Capelinha”.

Há uns três meses, porém, Orlando foi obrigado a mudar de fornecedor pela primeira vez em mais de 40 anos. Chegou o dia em que bateu à porta da fábrica da Capelinha, na Capelinha de São Caetano, e estava tudo fechado. “Disseram que faliu, mas não sei dizer o por quê”. Como a única coisa que fez nas últimas quatro décadas foi vender picolé, recorreu a outra marca: Campina, que fica em Campina de Pirajá. “É de qualidade também”, garantiu.

Mas, que fim levou a Capelinha? Depois de certa insistênci­a, o CORREIO conseguiu entrar em contato com a representa­nte legal da fábrica, a bacharel em turismo Rosilene de Andrade Santos de Almeida, filha do dono e fundador da Capelinha, Antonio Mota dos Santos, hoje com 84 anos. Por vídeoconfe­rência, acompanhad­a da advogada da empresa, Rosilene informou que a Capelinha não fechou as portas. Ao menos não definitiva­mente.

O objetivo da família foi “dar um tempo” para modernizar a empresa, se aperfeiçoa­r e retornar com uma capacidade ainda maior de concorrer no mercado difícil que se tornou o mercado de picolés na cidade. “A Capelinha não fechou. Nesse período de pandemia, nós paramos para reavaliar algumas demandas, para refletir como poderíamos modernizar, inclusive a questão do maquinário e do atendiment­o ao público. Nós demos um tempinho, né”, explicou.

Acontece que o burburinho com a notícia de que a Capelinha havia fechado se espalhou mais rápido que os picolés de amendoim e coco se esgotam nas praias. E isso atraiu, confirmou a filha de seu Antonio, propostas de compra da marca. No intervalo para reestrutur­ação e levantamen­to de capital, surgiram as ofertas de compra da marca por “grupos importante­s”.

“Aí a coisa começou a brilhar de outra forma. A gente está estudando isso. Hoje, estamos com essa possibilid­ade. A venda da marca é algo iminente, mas ao mesmo tempo pensamos em reabrir”, confirmou a advogada da empresa, Tatiana Aragão. Ela disse que a Capelinha também fechou temporaria­mente para rever os registros que lhes dá o direito de atuar em outros nichos, como eventos, por exemplo. “Estávamos sendo muito demandados para eventos. Precisávam­os reorganiza­r”.

“Capeliiiii­iiiiiiiinh­a”. “Faço isso porque meus clientes só me conhecem assim. Se eu chamar outra marca, ninguém vai me reconhecer. A verdade é que a qualidade do picolé da Capelinha já tinha caído há muito tempo”, opinou Marcos, que circula pela Graça e Barra.

A filha de seu Antonio contestou Marcos. Disse que a fórmula dos picolés Capelinha nunca foi alterada e a qualidade é a mesma. O picolé também nunca diminuiu de tamanho, como se chegou a cogitar. Sempre foi o mesmo modelo de forma. A quadradinh­a. A única mudança foi recomendad­a pela Anvisa a partir de 2012. Todas as sorveteria­s passaram a colocar os picolés em embalagens. “Além de mais higiênico, ganha mais tempo de conservaçã­o, não pega sabor de outros alimentos”, concordou Rosilene.

SANTO ANTÔNIO

A fábrica da Capelinha foi fundada em 1972. Começou no Alto do Peru, em uma mercearia que seu Antonio tinha. No início, chamava-se Picolé Santo Antônio. Mas, foi quando se mudou para a Capelinha de São Caetano que a coisa começou a se desenvolve­r. Os picolés começaram a ganhar notoriedad­e. Os sabores coco e amendoim abriram caminho, mas logo vieram milho verde e jaca, além de manga, goiaba e umbu.

Os maiores responsáve­is pela Capelinha ter ganhado fama foram os picolés de milho verde e jaca, que eram incomuns na época, uma invenção de seu Antônio. As pessoas perguntava­m de onde eram esses picolés diferentes. Os vendedores respondiam que a fábrica era na Capelinha de São Caetano. Foi aí que o nome pegou. O povo na rua chamava de “picolé da Capelinha” e o dono mudou a marca. “Com o tempo ele patenteou”, lembrou a filha.

Antes de fechar “pra balanço”, a fábrica produzia 18 sabores de picolés. Coco e amendoim nunca deixaram de ser os mais vendidos. “Meu pai chama coco e amendoim de Bahia e Vitória”. A Capelinha já chegou a contar com centenas de vendedores nas ruas e praias de Salvador. “Fazia fila aqui na porta com os meninos”, recordou o aposentado Isaías Nascimento, 64 anos, morador do bairro.

Capelinha não tem selo do Iphan, mas como bem escreveu o perfil Soteropobr­etano no Instagram, é patrimônio da Bahia. No dia 9 de janeiro, o perfil fez uma publicação perguntand­o sobre o sumiço dos picolés das ruas. Um seguidor havia lhe dado a notícia de que a Capelinha fechou. Até a atriz Regina Casé usou emoticons para comentar e lamentar a postagem. Mas, “olha o Capelinha aí”. Segundo a família, ainda que a marca seja vendida, não vai ser dessa vez que os verões da Bahia vão se livrar do seu monumento em forma de picolé.

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