Protocolo próprio
Médicos têm investido em receitas próprias ou importadas de comitês internacionais de pesquisa contra a covid-19; pacientes mais ricos são os que mais buscam por tratamentos diferentes
Num artigo recente, Correia defendeu que seria também irracional, por outro lado, impor uma Medicina baseada em Evidência, sem chegar ao cerne do problema, a necessidade de incentivar uma nova forma de pensar cientificamente.
“Decisões [médicas]”, escreveu, “não devem ser cópias de evidências científicas. O processo deve ser norteado por conceitos comprovados, mas também levar em conta particularidades clínicas e preferências do paciente”.
Até hoje, não existe um tratamento contra o coronavírus. Por isso, há preocupação em relação à variedade de protocolos. O que se tem, hoje, é o “tratamento para os sintomas e para a resposta inflamatória do paciente”, contrapôs Fabianna Bahia, infectologista e uma das representantes da Sociedade Brasileira de Infectologia no estado.
Há pacientes que precisam de antibióticos, outros que não; há alguns cujo corpo necessita de corticoides, alguns não. Tudo varia, cada corpo reage de uma forma ao coronavírus, disse Bahia.
“Não é uma receita, é dia a dia. As vezes a gente é colocado em cheque como se não quiséssemos tratar. Quem mais quer saber como se trata, o correto, somos nós”, frisou. Os próprios pacientes, de acordo com ela, às vezes cobram, nos consultórios, receitas prontas para seus males.
As sociedades brasileiras de Infectologia, Terapia Intensiva e Pneumologia lançaram, juntas, uma diretriz para o tratamento da covid-19 com remédios. A cartilha foi divulgada em maio do ano passado. O resto é tido, oficialmente, como experimentação.
São 77 páginas de diretrizes. Na segunda delas, há oposição ao uso de rotina da cloroquina e azitromicina, medicamentos que, juntas, chegaram a ser distribuídos por prefeituras de cidades brasileiras, como o “kit covid”. A ivermectina também compunha o combo fármaco.
O paradigma dos protocolos citado por Luís Correia incorre, novamente, na pergunta: até que ponto é possível se basear somente em evidências científicas num momento em que ainda sobram dúvidas relacionadas ao coronavírus.
A chave, avaliou Carlos Brites, infectologista e professor de Infectologia da Universidade Federal da Bahia (Ufba), é a “racionalidade” das decisões.
“A gente não pode e não deve recomendar procedimentos que não foram adequadamente testados, principalmente quando eles têm potenciais malefícios”, afirmou.
Isso não significa deixar de tratar, ou se esquivar de decisões, segundo o médico e pesquisador. Mas pensar conforme os fatos, fazendo deduções lógicas que possam ser entendidas e aplicadas como tratamentos.
Remédio usado para problemas parasitários que, mesmo sem nenhum respaldo científico, é associado à possibilidade de frear a replicação do coronavírus.
A cloroquina é associada à possibilidade de impedir o coronavírus de invadir as células. Nenhum estudo comprovou a eficácia contra a covid-19. É um antibiótico que tem efeito anti-inflamatório. Mas, não há comprovação de que combata o coronavírus. O uso de antibióticos sem necessidade também contribui para a formação de superbactérias.
O protocolo do tratamento precoce consiste em um combo de medicamentos ingeridos no período inicial da infecção pelo coronavírus, independentemente do quadro clínico, para evitar, supostamente, agravamento da doença.
O protocolo do tratamento profilático recomenda, sem embasamento científico suficiente, ingestão de medicamentos como antiparasitários para evitar contaminação pelo coronavírus.
Desenvolvida por uma multinacional holandesa, consiste num combo de vitaminas e suplementos para melhorar o sistema imunológico e, na teoria, melhorar a resposta contra o vírus.