Escolas se preparam para o ‘novo presencial’
Retorno afetivo Especialistas dizem que pandemia exigirá mudanças definitivas no sistema de ensino
Enquanto a população aguarda ansiosa pelo momento em que o novo coronavírus será apenas um episódio da memória, educadores afirmam que a pandemia está provocando mudanças que serão inevitáveis para a educação. Do currículo escolar à infraestrutura dos colégios, especialistas afirmam que a escola não será mais a mesma.
A data de retorno presencial às aulas ainda não foi definida pelas autoridades na Bahia, mas algumas escolas privadas estão retomando as atividades de forma virtual, focando em um retorno mais afetivo. Esse é o caso do Colégio Villa Global Education, onde os cerca de mil estudantes da instituição retornam às aulas on-line hoje.
Retomar o ensino apenas de forma virtual já é uma mudança em relação ao tradicional, mas não apenas isso. A CEO da instituição e educadora, Viviane Brito, contou que o Protocolo Afetivo da instituição tem dois pilares, o Referencial de Conduta e Convivência, além do programa de Acolhimento. Ele já existia antes da pandemia, mas precisou ser revisto. “Depois de mais de dez meses de isolamento, e a gente ainda não sabe quando vai retornar [presencialmente], são diversas as consequências nessas crianças e jovens como a falta do sono, de atenção, distúrbios ansiedade, alteração de humor e tudo isso pode refletir na escola. Precisamos estar preparados para lidar com essas questões”, disse.
Quando as aulas presenciais retornarem, além da necessidade do uso de máscara e higienização das mãos, outras mudanças serão incorporadas à rotina. A individualização do material escolar, que já exista, será reforçada; os brinquedos de uso comum serão abolidos e serão permitidos apenas objetos pessoais; e a adoção de atividades de cunho socioeducativo e de acolhimento serão mais frequentes.
A interação entre turmas também deve diminuir para evitar aglomerações; a higienização das mãos acontecerá a cada 30 minutos; haverá aferição de temperatura na entrada da escola; e todos os dias será realizada uma pesquisa sobre o estado de saúde dos alunos. Todas as mudanças serão explicadas aos pais em palestras com especialistas antes do retorno presencial. Na rede pública de Salvador, as aulas virtuais também serão retomadas em fevereiro, mas ainda sem data divulgada. Já os encontros presenciais dependem do cenário da pandemia e da parceria com o Governo do Estado.
DESAFIO
Para os especialistas, algumas das mudanças provocadas pela pandemia já deviam ter acontecido antes mesmo da quarentena. O pesquisador e professor da Faculdade de Educação (Faced) da Universidade Federal da Bahia (Ufba), Nelson Pretto, destacou os problemas de infraestrutura das escolas, principalmente das unidades públicas. “Estou me referindo a arquitetura das escolas de uma maneira geral. Os prédios precisam ter mais ventilação, arborização e acesso a internet. E o mais importante: é preciso pensar a escola como um local que vai além do conteúdo, pensar na formação completa do estudante, e na construção da visão crítica”, disse.
A ideia de repensar o currículo escolar como mais uma mudança inevitável é apontada por outra pesquisadora, a doutora e professora da Faced, Telma Brito Rocha. Ela estuda Didática, Formação de Professores e Avaliação na Educação Online, e acredita que será preciso rever as práticas pedagógicas, o papel da educação científica, sobretudo as questões ligadas ao meio ambiente, e o enfrentamento das fake news. “As escolas não vão retomar a normalidade como a gente quer, nem as instituições privadas vão conseguir esse nível de normalidade, embora esteja à frente da rede pública. No caso da rede pública, as desigualdades são maiores e a pandemia vai aumentá-las ainda mais. Falta diálogo entre as instâncias de poder e os professores para discutir e pensar soluções”, afirmou.
1. Repensar a arquitetura das escolas, com espaços mais amplos e salas mais arejadas
2. Revisar o currículo escolar com maior estímulo ao senso crítico e a formação ampla;
3. Corrigir falhas na comunicação e nas práticas pedagógicas;
4. Capacitar os educadores para lidar com tecnologia e fake news;
5. Incorporar de forma mais veemente a tecnologia aos processos de aprendizagem;
que a jovem de 19 anos resolveu fazer a prova digital para experimentar. “Ela tá nervosa, mas é importante tentar”, afirmou a mãe.
Assim como Jaciara, Luisa Oliveira também estava lá para experimentar essa nova roupagem da prova. Com 17 anos, a jovem fez a prova pela primeira vez e optou pela versão digital para “sair do normal”. Luisa também estava acompanhada de sua mãe, Lygya. A mãe da vestibulanda contou que apoiou a escolha da filha em fazer essa versão do Enem. Ela também garantiu que sabe dos problemas enfrentados pelos estudantes nesse momento. “Estou fazendo aula online e sei das dificuldades”, afirmou.
FUTURO DO ENEM
A versão digital do Enem é resultado de um plano do MEC para tornar, a médio prazo, a prova inteiramente digital. As circunstâncias do mundo pandêmico apenas fizeram esse objetivo ser posto em prática.
Diferentemente do que se pode imaginar, a prova digital não aconteceu graças ao coronavírus. Coordenador do curso de Pedagogia e da Pós Graduação em Educação da Unifacs, Antonio Gouveia afirma que esse teste “não é por conta da pandemia”. Ele pondera as possibilidades de uma prova digital e declara que esse acontecimento será
“uma grande conquista” no setor da educação.
Para Gouveia, o Enem enfrentará alguns entraves ao longo do processo de transição da prova física para a digital. A falta de infraestrutura, o remanejamento do orçamento público e as diferentes realidades das regiões são alguns dos desafios citados.
A maior preocupação de Antonio está nos estudantes. “Não temos estudantes incluídos digitalmente para fazer uma prova dessas”, declara. O pedagogo traz a falta de inclusão digital de interiores e regiões menos privilegiadas para ilustrar o problema. Além disso, ele também lembra que uma prova digital demanda uma tolerância fisiológica completamente diferente. “Ficar na frente de um computador por mais de quatro horas para fazer uma prova é um desafio”, explica.
Nem toda a prova é digital. A Redação é escrita a mão e, nessa versão do Enem, teve como tema “O desafio de reduzir as desigualdades entre as regiões do Brasil”. O jornalista e professor de redação do ensino médio e pré-vestibular Lucas Rocha ficou contente com a discussão proposta. “Um tema muito bom. Apesar de ser simples, os estudantes devem ter o recebido um pouco assustados”, acredita o professor.