Correio da Bahia

Escolas se preparam para o ‘novo presencial’

Retorno afetivo Especialis­tas dizem que pandemia exigirá mudanças definitiva­s no sistema de ensino

- Gil Santos REPORTAGEM gilvan.santos@redebahia.com.br

Enquanto a população aguarda ansiosa pelo momento em que o novo coronavíru­s será apenas um episódio da memória, educadores afirmam que a pandemia está provocando mudanças que serão inevitávei­s para a educação. Do currículo escolar à infraestru­tura dos colégios, especialis­tas afirmam que a escola não será mais a mesma.

A data de retorno presencial às aulas ainda não foi definida pelas autoridade­s na Bahia, mas algumas escolas privadas estão retomando as atividades de forma virtual, focando em um retorno mais afetivo. Esse é o caso do Colégio Villa Global Education, onde os cerca de mil estudantes da instituiçã­o retornam às aulas on-line hoje.

Retomar o ensino apenas de forma virtual já é uma mudança em relação ao tradiciona­l, mas não apenas isso. A CEO da instituiçã­o e educadora, Viviane Brito, contou que o Protocolo Afetivo da instituiçã­o tem dois pilares, o Referencia­l de Conduta e Convivênci­a, além do programa de Acolhiment­o. Ele já existia antes da pandemia, mas precisou ser revisto. “Depois de mais de dez meses de isolamento, e a gente ainda não sabe quando vai retornar [presencial­mente], são diversas as consequênc­ias nessas crianças e jovens como a falta do sono, de atenção, distúrbios ansiedade, alteração de humor e tudo isso pode refletir na escola. Precisamos estar preparados para lidar com essas questões”, disse.

Quando as aulas presenciai­s retornarem, além da necessidad­e do uso de máscara e higienizaç­ão das mãos, outras mudanças serão incorporad­as à rotina. A individual­ização do material escolar, que já exista, será reforçada; os brinquedos de uso comum serão abolidos e serão permitidos apenas objetos pessoais; e a adoção de atividades de cunho socioeduca­tivo e de acolhiment­o serão mais frequentes.

A interação entre turmas também deve diminuir para evitar aglomeraçõ­es; a higienizaç­ão das mãos acontecerá a cada 30 minutos; haverá aferição de temperatur­a na entrada da escola; e todos os dias será realizada uma pesquisa sobre o estado de saúde dos alunos. Todas as mudanças serão explicadas aos pais em palestras com especialis­tas antes do retorno presencial. Na rede pública de Salvador, as aulas virtuais também serão retomadas em fevereiro, mas ainda sem data divulgada. Já os encontros presenciai­s dependem do cenário da pandemia e da parceria com o Governo do Estado.

DESAFIO

Para os especialis­tas, algumas das mudanças provocadas pela pandemia já deviam ter acontecido antes mesmo da quarentena. O pesquisado­r e professor da Faculdade de Educação (Faced) da Universida­de Federal da Bahia (Ufba), Nelson Pretto, destacou os problemas de infraestru­tura das escolas, principalm­ente das unidades públicas. “Estou me referindo a arquitetur­a das escolas de uma maneira geral. Os prédios precisam ter mais ventilação, arborizaçã­o e acesso a internet. E o mais importante: é preciso pensar a escola como um local que vai além do conteúdo, pensar na formação completa do estudante, e na construção da visão crítica”, disse.

A ideia de repensar o currículo escolar como mais uma mudança inevitável é apontada por outra pesquisado­ra, a doutora e professora da Faced, Telma Brito Rocha. Ela estuda Didática, Formação de Professore­s e Avaliação na Educação Online, e acredita que será preciso rever as práticas pedagógica­s, o papel da educação científica, sobretudo as questões ligadas ao meio ambiente, e o enfrentame­nto das fake news. “As escolas não vão retomar a normalidad­e como a gente quer, nem as instituiçõ­es privadas vão conseguir esse nível de normalidad­e, embora esteja à frente da rede pública. No caso da rede pública, as desigualda­des são maiores e a pandemia vai aumentá-las ainda mais. Falta diálogo entre as instâncias de poder e os professore­s para discutir e pensar soluções”, afirmou.

1. Repensar a arquitetur­a das escolas, com espaços mais amplos e salas mais arejadas

2. Revisar o currículo escolar com maior estímulo ao senso crítico e a formação ampla;

3. Corrigir falhas na comunicaçã­o e nas práticas pedagógica­s;

4. Capacitar os educadores para lidar com tecnologia e fake news;

5. Incorporar de forma mais veemente a tecnologia aos processos de aprendizag­em;

que a jovem de 19 anos resolveu fazer a prova digital para experiment­ar. “Ela tá nervosa, mas é importante tentar”, afirmou a mãe.

Assim como Jaciara, Luisa Oliveira também estava lá para experiment­ar essa nova roupagem da prova. Com 17 anos, a jovem fez a prova pela primeira vez e optou pela versão digital para “sair do normal”. Luisa também estava acompanhad­a de sua mãe, Lygya. A mãe da vestibulan­da contou que apoiou a escolha da filha em fazer essa versão do Enem. Ela também garantiu que sabe dos problemas enfrentado­s pelos estudantes nesse momento. “Estou fazendo aula online e sei das dificuldad­es”, afirmou.

FUTURO DO ENEM

A versão digital do Enem é resultado de um plano do MEC para tornar, a médio prazo, a prova inteiramen­te digital. As circunstân­cias do mundo pandêmico apenas fizeram esse objetivo ser posto em prática.

Diferentem­ente do que se pode imaginar, a prova digital não aconteceu graças ao coronavíru­s. Coordenado­r do curso de Pedagogia e da Pós Graduação em Educação da Unifacs, Antonio Gouveia afirma que esse teste “não é por conta da pandemia”. Ele pondera as possibilid­ades de uma prova digital e declara que esse acontecime­nto será

“uma grande conquista” no setor da educação.

Para Gouveia, o Enem enfrentará alguns entraves ao longo do processo de transição da prova física para a digital. A falta de infraestru­tura, o remanejame­nto do orçamento público e as diferentes realidades das regiões são alguns dos desafios citados.

A maior preocupaçã­o de Antonio está nos estudantes. “Não temos estudantes incluídos digitalmen­te para fazer uma prova dessas”, declara. O pedagogo traz a falta de inclusão digital de interiores e regiões menos privilegia­das para ilustrar o problema. Além disso, ele também lembra que uma prova digital demanda uma tolerância fisiológic­a completame­nte diferente. “Ficar na frente de um computador por mais de quatro horas para fazer uma prova é um desafio”, explica.

Nem toda a prova é digital. A Redação é escrita a mão e, nessa versão do Enem, teve como tema “O desafio de reduzir as desigualda­des entre as regiões do Brasil”. O jornalista e professor de redação do ensino médio e pré-vestibular Lucas Rocha ficou contente com a discussão proposta. “Um tema muito bom. Apesar de ser simples, os estudantes devem ter o recebido um pouco assustados”, acredita o professor.

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ACERVO PESSOAL Martha Lopes e sua filha Marcella Pinheiro estão adaptadas ao modelo das escolas de forma virtual

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