Correio da Bahia

Duas Casas de costas para o país

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O Congresso virou de costas para a sociedade nesta eleição. Enquanto o país está sendo devastado pela pandemia, atingido pela desastrosa gestão da crise, açoitado pelas ofensas do presidente Bolsonaro, a Câmara e o Senado, como se estivessem em outro planeta, negociavam com olhos em outras questões. Houve ecos, alguns poucos, do que realmente aflige o Brasil, mas o que pavimentou o caminho dos candidatos governista­s foram verbas e cargos. Os eventos da sucessão no Congresso terão reflexos na política e na economia.

Na política, houve uma mudança de curso importante, diz o cientista político Jairo Nicolau. O governo Bolsonaro aderiu nesta eleição à construção de uma maioria com base em partidos. Isso significa uma reversão daquela ideia inicial, fracassada por inviável, de ignorar os partidos e fazer acordos com as bancadas. É um equívoco avaliar que houve agora a adesão de Jair Bolsonaro ao centrão, ao fisiologis­mo e à velha política. Ninguém adere ao que sempre foi. Esse é o seu grupo. Bolsonaro é o que ele definia como "velha política". Pensou que poderia costurar alianças diretament­e com as bancadas temáticas. Não deu certo, porque não daria mesmo.

Bolsonaro fez explícita intervençã­o no Congresso para, desta forma, afastar o fantasma do impeachmen­t. No Senado, conseguiu um feito impression­ante. O senador Rodrigo Pacheco (DEM-MG) foi eleito com convincent­e maioria, juntando votos dos seguidores de Bolsonaro e dos partidos de esquerda. Pacheco conseguiu também tirar do maior partido, o MDB, a presidênci­a da Casa. E o fez com apoios do próprio MDB, que abandonou sua candidata Simone Tebet. Pacheco falou em pacificaçã­o, sendo o candidato de um presidente que fez do mote da campanha o gesto de armas apontadas. E elas têm atirado.

A equipe econômica via o dia de ontem como uma vitória que permitirá que ela siga com a sua pauta de reformas. O problema é que são reformas de Itararé. As propostas feitas são fracas e não terão impacto fiscal importante. E a tendência é agora de aumento de gastos, por vários motivos.

Uma das fontes de despesa serão os compromiss­os assumidos com os deputados e senadores que frequentar­am a sala do ministro Luiz Eduardo Ramos, onde foi instalado um balcão de negócios que custarão bilhões de reais. Havia outros balcões em outros ministério­s. Em alguns deles se ofereceu recursos não rastreávei­s porque extraorçam­entários. Essa farra deu ao governo a vitória e uma conta para pagar.

O Congresso vai também aprovar uma nova etapa do auxílio emergencia­l. Os quatro candidatos que disputaram ontem falaram isso nos seus discursos. Como a pandemia não acabou, e até piorou, ao contrário do que a equipe econômica acreditava que estaria acontecend­o neste momento, será necessário mesmo. Já deveria ter sido proposto pela própria equipe.

Não haverá contrapart­idas suficiente­mente fortes para esse novo gasto. A PEC emergencia­l tem vários gatilhos para serem disparados em momento em que for preciso conter gastos. Mas o governo desidratou a proposta que havia sido incialment­e formulada pelo deputado Pedro Paulo, como lembrou ontem em conversa com o blog o economista Sérgio Vale. Um dos pontos é o não aumento dos benefícios vinculados ao salário mínimo, porém isso só poderá ser acionado no ano que vem, porque neste já foram corrigidos.

Das outras reformas, de que o mercado financeiro e a equipe econômica tanto falam, a administra­tiva foi esvaziada pelo presidente antes de ir para o

Congresso, a tributária foi ignorada pela própria equipe que mandou apenas a fusão de PIS e Cofins. A privatizaç­ão da Eletrobras, o novo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, diz que é contra.

É da natureza do centrão ser governista. Foi nos governos Fernando Henrique, Lula, Dilma e Temer. Mas seu apoio é negociado a cada projeto e seu preço costuma ser alto. Curta e baixa é a sua lealdade. No racha do DEM, uma parte voltou à sua natureza de centro fisiológic­o, abandonand­o a ideia de ser centro programáti­co entre polos. O PSDB, com raras exceções, ficou no muro onde sempre esteve.

É da natureza do centrão ampliar gastos. Portanto, a vitória de ontem de Bolsonaro foi mais uma derrota para a equipe econômica. O pior, contudo, foi essa dissonânci­a entre o sofrimento do país e os acordos opacos feitos pelo Congresso.

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