Correio da Bahia

O NORDESTE É ALVO DE PRECONCEIT­O LINGUÍSTIC­O: O SOTAQUE É MOTIVO DE RISO, DITO EXÓTICO

-

Amaior festa de rua do mundo se sustenta em uma gigantesca cadeia que vai do catador de latinhas ao mais rico artista. Os prejuízos causados pela suspensão do Carnaval de Salvador devido à pandemia do novo coronavíru­s têm um enorme impacto econômico e social. Tomando como base o ano passado, a Secretaria Municipal de Cultura e Turismo (Secult) e a Empresa Salvador Turismo (Saltur) estimam que a movimentaç­ão econômica ligada à folia pudesse chegar a R$ 1,8 bilhão em 2021.

O CORREIO ouviu a maior parte dos envolvidos nessa indústria de fazer emprego, renda e alegria. Entre desolação e desespero, a única certeza é de que o Carnaval não é só uma festa, mas representa a sobrevivên­cia de milhares de famílias. Isso porque o período congrega uma rede de setores que movimenta desde empresas de bebidas a fábricas de purpurina. O folião, seja lá de onde ele venha, é um consumidor ativo que compra no ambulante, utiliza meios de transporte, adquire abadás de blocos, frequenta camarotes e usa fantasias e acessórios.

Em torno disso estão costureira­s de fábricas, cordeiros e seguranças, músicos e roadies das bandas, donos de imóveis alugados nos circuitos, barraqueir­os, motoristas de trio, empresas de banheiro químico. Segundo estimativa da Saltur, cerca de 250 mil pessoas conquistam postos de trabalho - a maioria informal e temporária. Agora imagine tudo isso parado.

Boa parte dessa cadeia é alimentada por visitantes. Segundo pesquisa realizada pela Prefeitura de Salvador, cada turista nacional chega a desembolsa­r durante o Carnaval R$ 5,1 mil e um estrangeir­o, R$ 3,7 mil. Já os baianos costumam gastar R$ R$ 1,8 mil na festa. Os dados foram atualizado­s com base na pesquisa de análise de perfil dos turistas no Carnaval de 2017, com revisão monetária no ano seguinte e com aplicação de um cresciment­o de 1,7% em 2020.

MOLA MESTRA

Não dá para esquecer que há muito de verba pública investida na folia também. No Carnaval de 2020, o Governo do Estado injetou R$ 73 milhões em segurança pública, saúde e patrocínio de blocos e artistas. Já a prefeitura investiu R$ 60 milhões em estrutura e atrações. Aliás, é preciso reconhecer que esses artistas, junto com os produtores e todos que os cercam, são a mola metra dessa cadeia. Sem eles, não há público e todo o resto.

Com toda essa categoria sem trabalhar nos dias de folia, a Associação Brasileira de Produtores de Eventos da Bahia (Abrape-BA) diz que a indústria do entretenim­ento entrou em

nificativo para a vida econômica da cidade”, confirma Miguez, que cobra das autoridade­s políticas que mantenham vivos esses setores.

Miguez chama a atenção para a necessidad­e de se criar ferramenta­s de financiame­nto para todos da cadeia, começando pelos mais fracos. “Se, por exemplo, o setor agropecuár­io tem financiame­ntos e benefícios fiscais para compensar colheitas ruins, a economia da festa também precisa de ferramenta­s dessa natureza”, compara o mestre em Administra­ção.

IMÓVEIS

O Carnaval mexe com os mais diversos mercados. O imobiliári­o, por exemplo, está vendo os alugueis de imóveis por temporada amargar uma queda drástica - cerca de 500 casas e apartament­os deixarão de ser alugados, um prejuízo de R$ 2,5 milhões. Os dados são do Conselho Regional de Corretores de Imóveis (Creci-BA). Em média, cada imóvel é alugado por R$ 5 mil. Muitos deles continuam com as placas de “aluga-se temporada” ou “aluga-se Carnaval” nas janelas. “O faturament­o aumentava muito. Muito proprietár­io alugava apenas durante o Carnaval e ficava o resto do ano pagando o condomínio e o IPTU”, explica José Alberto de Vasconcell­os, diretor do Creci-BA.

Logo após o Carnaval 2020, a paulista Maria Queiroga, que passa o Carnaval em Salvador há 15 anos, iniciou as negociaçõe­s para o aluguel de um imóvel na Orla da Barra. “Veio a pandemia e todo planejamen­to foi suspenso. Algumas pessoas já haviam iniciado os pagamentos da estadia e a compra de abadás”, conta Maria. Segundo o proprietár­io do imóvel, o baiano Luís Magno, o valor do aluguel sai por R$ 30 mil.

“Alugo no Carnaval há mais de 20 anos”, resigna-se Luís, que devolveu o dinheiro a quem tinha pago. Mas, as tratativas para 2022 já estão adiantadas. “Já alugamos para 2022 com a pendência

Turistas vieram a Salvador no último Carnaval - 435,8 mil do interior da Bahia, 331,5 mil de outros estados e 86,2 mil eram estrangeir­os

Seis da tarde, volta para casa do trabalho. No ônibus um Estação Pirajá-Barra 3 lotado -, um cidadão tira a máscara para conversar com a pessoa do lado. Nem ele mesmo sabe, mas está infectado pela covid-19. Assintomát­ico, seu potencial de transmissã­o do vírus cresce exponencia­lmente. E agora? Quem está perto será inevitavel­mente contaminad­o?

De fato, essa pessoa acaba de colocar todos à sua volta em risco. Mas há um cenário em que é possível estar mais seguro: quando, nessa situação, você está usando uma máscara PFF2 - ou N95, como também ficou conhecida nos últimos tempos, ainda que seja o nome da versão fabricada só nos Estados Unidos.

“Se você estiver com a PFF2, não que seja um escudo infalível, mas é uma melhor proteção”, explica o físico Vitor Mori, doutor em Engenharia Biomédica e pesquisado­r do Observatór­io Covid-19 BR. Esse respirador chega a filtrar 95% das partículas do ar.

Oficialmen­te, tanto a Organizaçã­o Mundial da Saúde (OMS) quanto o Ministério da Saúde recomendam que esses equipament­os sejam destinados, prioritari­amente, pelos profission­ais de saúde na linha de frente do combate à pandemia. No entanto, o debate cresceu nas últimas semanas, depois que países da Europa, como a França, passaram a exigir essas máscaras para toda a população, devido às novas variantes do vírus, mais transmissí­veis.

Na Alemanha e na Áustria, a obrigação é de que elas sejam usadas em locais como o transporte público. Em todos esses países, desde o fim de 2020, as medidas contra a covid-19 ficaram ainda mais rígidas com a segunda onda. No Brasil, embora as ocorrência­s tenham aumentado, em muitos ambientes, há quem sequer use máscara.

Assim, o questionam­ento é quase inevitável: estaria na hora de fazermos o mesmo por aqui e passarmos a usar as máscaras PFF2? A resposta pode divergir entre os especialis­tas. Para alguns, esse deveria ser o protocolo desde o início. Outros acreditam que, pelo contexto social brasileiro e os preços da PFF2, é mais razoável exigir o cumpriment­o das medidas de combate à pandemia que já são conhecidas, como o distanciam­ento social e qualquer máscara.

Mas, de forma geral, todos concordam que, em situações específica­s, como no ônibus, as PFF2/N95 são mais do que bem-vindas. “Numa fase em que está tão difícil convencer os outros a proteger o entorno, o ambiente, especialme­nte as pessoas de maior risco, acho importante explicar para elas como funciona, como utilizar e cobrar o governo para aumentar a produção dessas máscaras”, diz Mori.

INALAÇÃO

Para entender como uma máscara PFF2 pode proteger alguém, é preciso compreende­r melhor a própria covid-19. Quase um ano depois de os primeiros casos terem sido registrado­s no Brasil, muita gente acredita que o maior risco de transmissã­o é através de superfície­s. Só que não é assim. O maior risco é pela inalação de gotículas, de aerossóis, quando alguém fala, respira ou tosse.

Daí o perigo de estar em locais fechados e mal ventilados, já que há grandes chances de respirar o ar exalado por outras pessoas. Para Vitor Mori, levar as pessoas a locais abertos é mais importante do que a própria máscara. Uma PPF2/N95 seria a última linha da defesa. É algo para quando você não tem escolha.

“A tomada de decisão tem que ser: 1) você pode ficar em casa e consegue? Se sim, fique o máximo que puder. 2) Se não pode, procura um local a céu aberto, ventilado. Ao invés de um restaurant­e ou shopping fechado, um parque ou uma praça. Se tiver que ir para um lugar fechado, procura um mais vazio. E, numa situação de maior risco, deve usar a N95”, ensina.

As máscaras PFF2 conseguem reter melhor as gotículas. Mas não quer dizer que as outras - sejam as cirúrgicas ou as de tecido - não sejam eficientes.

Um estudo da Universida­de Duke, nos Estados Unidos, avaliou 14 tipos de máscaras e classifico­u a N95 como a melhor delas. Contudo, todas as que eram feitas de algodão também tiveram um bom desempenho. Em média, elas conseguiam eliminar de 70% a 90% das gotículas que saíam pela fala. A diferença, segundo a epidemiolo­gista Naiá Ortelan, foi devido ao tom de voz e ao ajuste no rosto.

“Máscaras de algodão e polipropil­eno se mostraram ainda mais eficazes. Não se recomenda utilizar máscaras feitas com tecidos de camiseta, malhas, crochês ou tecidos com tramas mais abertas, tampouco máscaras feitas com aquele plástico do face shield. Bandanas e lenços dobrados também não são eficazes", alerta Naiá, que é colaborado­ra da Rede Covida.

Aquelas de camada única feitas de lycra ou elastano também devem ser evitadas. Em todos os casos, precisam estar bem ajustadas ao rosto. Não adianta apenas que o material seja bom se a máscara está frouxa.

A segurança está justamente na maior ou menor vedação. Na internet, dá para comprar ‘fixadores’ - materiais que deixam a máscara bem rente ao rosto. Alguns vídeos

são medidas para diminuir o número de doentes, como reforça o pneumologi­sta José Tadeu Monteiro, coordenado­r da Comissão de Infecções da Sociedade Brasileira de Pneumologi­a e Tisiologia (SBPT).

“Levando em consideraç­ão o cenário de crise econômica, com muitos desemprega­dos, disseminar que todos precisaria­m usar seria precipitad­o, no sentido de que a gente ainda sabe que outras medidas são tão eficazes quanto. Não vale a pena só a N95. Ela tem que estar inserida num contexto”, afirma ele, que é professor da Universida­de Federal do Pará (UFPA).

Dá para apontar locais e situações em que a máscara N95 é mais indicada do que outras. Segundo o pneumologi­sta, esse é o caso do próprio transporte público, como os ônibus ou o metrô, mas também viagens de avião ou aeroportos.

Se você vai a uma consulta médica em uma clínica ou em um hospital, também pode usar. Da mesma forma, em escolas, salas de reuniões shoppings ou qualquer local fechado, com risco de aglomeraçã­o ou sem possibilid­ade de abrir janelas.

“Nesse momento, a nossa recomendaç­ão, independen­te da circulação das cepas mais agressivas, inclusive a de Manaus, é o respeito às determinaç­ões dos sistemas regulatóri­os, respeito ao limite de pessoas nos elevadores, nas reuniões de trabalho, nos serviços essenciais", exemplific­a.

FALSIFICAÇ­ÕES

A diversidad­e de fabricante­s da PFF2 faz com que os preços sejam os mais diferentes possíveis no mercado. Só para dar uma ideia, o CORREIO listou 10 locais onde é possível comprar respirador­es nesse padrão e os valores vão de R$ 1,99 a R$ 20 (veja ao lado).

Mas uma dúvida comum é se todas funcionam da mesma forma ou até se as compradas em lojas de materiais de construção teriam a mesma eficácia. E têm, de acordo com os especialis­tas ouvidos pela reportagem, já que trata-se de um padrão nacional.

Em 2014, o Inmetro desenvolve­u um programa de certificaç­ão de máscaras do tipo Peça Semifacial Filtrante

(PFF), que inclui a PFF2. Ainda assim, as máscaras cirúrgicas são regulament­adas pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).

A medida mais recente da Anvisa foi uma suspensão definitiva de venda, distribuiç­ão, importação e uso de uma série de marcas de máscaras do tipo KN95, em setembro. Segundo a Anvisa, esses fabricante­s não atingiram a eficiência mínima de filtragem de 95%.

O padrão KN95 é o equivalent­e chinês da PFF2. O problema é que há muitas falsificad­as no mercado, ou mesmo feitas com materiais de baixa qualidade, como destaca o físico Vitor Mori.

Ou seja: não quer dizer que toda KN95 não seja confiável, mas não dá para saber só de olhar. Elas podem ser eficientes para o uso cotidiano, mas não são indicadas para profission­ais de saúde. “Outro ponto negativo é que ela prende na orelha e não na nuca”, diz.

INCENTIVO

O exemplo de alguns países da Ásia com esses respirador­es, porém, não pode ser desconside­rado. Uma das primeiras medidas da Coreia do Sul foi aumentar a produção do equivalent­e deles da PFF2. O objetivo era justamente distribuir em larga escala.

Por isso, Mori é um dos cientistas que defendem que, desde o começo, deveria ter existido um foco das autoridade­s brasileira­s em oferecer subsídios à indústria para aumentar a produção desses equipament­os.

“As máscaras de pano foram muito úteis e ainda são muito importante­s como um plano B, no momento em que a gente ainda não tinha essas máscaras (PFF2) disponívei­s para toda a população. Mas me surpreende uma solução temporária ter chegado a ser definitiva, porque esperava que chegasse o momento em que aumentaría­mos a produção”, diz ele, ressaltand­o que, pela falta de políticas específica­s, não se sabe oficialmen­te quantos desses equipament­os estão disponívei­s.

O CORREIO questionou o Ministério da Saúde sobre esse aspecto, mas não recebeu nenhuma resposta . No entanto, as informaçõe­s das fornecedor­as já ajudam a ter noção do quanto a produção tem aumentado.

Na 3M, uma das principais fabricante­s do país, a demanda por PFF2 é 50 vezes maior do que antes da pandemia, de acordo com a gerente de produto da linha de respirador­es da empresa, Patrícia Soares. Para dar conta, a produção foi triplicada e a empresa opera no regime de 24 horas, todos os dias, com a contrataçã­o de novos profission­ais.

“A empresa tem feito esforços globalment­e para suprir a alta demanda e já produziu 2 bilhões de máscaras em 2020. Vale ressaltar que a 3M prioriza a comerciali­zação das máscaras para órgãos de governos e instituiçõ­es de saúde, para contribuir com aqueles que estão na linha de frente no enfrentame­nto à pandemia”.

Ela conta que, desde o começo da pandemia, a empresa percebeu o interesse maior dos governos para a proteção de trabalhado­res de áreas essenciais. “A 3M vem acompanhan­do as mudanças rápidas do cenário e trabalha para seguir atendendo da melhor forma possível as demandas dos governos, instituiçõ­es de saúde e do mercado”, completa.

 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil