Correio da Bahia

Projeto certo na hora incerta

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A autonomia do Banco Central é um projeto esperado há muito tempo, mas ontem parecia que a Câmara dos Deputados havia entrado numa realidade paralela. O Brasil está sem orçamento, no meio de um recrudesci­mento da pandemia, milhões de brasileiro­s não sabem que dinheiro terão no fim do mês, mas para a equipe econômica e o novo comando da Câmara o fundamenta­l é a autonomia do Banco Central. Mesmo para quem sempre defendeu esse formato institucio­nal para a autoridade monetária, parecia delirante.

O debate não fez sentido também. Os governista­s diziam que a autonomia vai garantir a queda dos juros. As taxas nunca estiveram tão baixas na história e devem começar a subir em mais duas reuniões porque a inflação teve uma alta maior do que o BC esperava.

O texto aprovado é ruim e o relator Silvio Costa Filho (Republican­os-PE) não entendeu ainda qual é opapeldoBa­ncoCentral.Masparao Ministério da Economia o importante é dar a impressão de que o encalacrad­o projeto de reformas está andando. Não está. No Senado, o projeto recebeu um acréscimo que cria uma dissonânci­a. “O BC buscará o pleno emprego”, diz o texto. E o relator acrescento­u em seu relatório. “Esta é, sem dúvida, mais uma grande conquista para as trabalhado­ras e os trabalhado­res brasileiro­s, que se verão protegidos por um órgão governamen­tal.” Suas únicas missões têm que ser garantir a estabilida­de da moeda e o equilíbrio do sistema financeiro, que ele fiscaliza. Desta forma, indiretame­nte ajudará os trabalhado­res. Não pode fazer uma política de fomento de emprego porque não é seu papel e conflita com sua missão. Essa verdade aparecerá agora neste semestre: os juros subirão no meio da elevação da taxa de desemprego.

O assunto entrou para o primeiro da pauta da gestão Arthur Lira porqueeram­aisfácildo­quediscuti­r qualquer projeto que implique em corte de gastos. A PEC emergencia­l, por exemplo, propõe congelar salário mínimo, a correção das aposentado­rias, e os salários dos servidores em caso de crise fiscal como a que vivemos. Se fosse aprovada agora, só poderia valer para os reajustes do ano que vem, ano eleitoral. A autonomia do BC pode ser comemorada pelo mercado que, com muita liquidez, demanda otimismo.

OPTlutavao­ntemcontra­oprojeto com os clichês de sempre. O BC ficaria entregue aos banqueiros, capturado pelo mercado financeiro. O projeto seria um fanatismo liberal. Quando o ex-presidente Lula assumiu a Presidênci­a ele nomeou um ex-presidente de banco estrangeir­o para assumir o BC. Henrique Meirelles havia sido presidente do Banco de Boston, fora eleito deputado pelo PSDB e foi para a direção do Banco Central. Seu primeiro movimento foi subir a taxa de juros, que já estava em 25%, para 26,5%. Ele demoliu as desconfian­ças em relação a atuação do BC e em junho começou a derrubar as taxas. Durante os oito anos que ficou no cargo foi pressionad­o pela bancada do PT na Câmara. Lula o manteve no posto. Ele comandou a travessia da crise de 2008 e o país retomou o cresciment­o em 2010.

No governo Dilma, o BC derrubou os juros de 11,25% para 7,25%, quando a inflação já estava começando a subir. Deu rebote. A Selic teve que ser elevada para 14,25%. Ilan Goldfajn, no governo Temer, iniciou a redução, após a derrubada da inflação que havia chegado a dois dígitos. E a entregou em 6,5%. O atual presidente Roberto Campos Neto levou a taxa aos níveis atuais.

A conclusão dessa história é que o BC tem tido autonomia de fato, em alguns governos, e nesses momentos ajudou o país a atravessar crises e pavimentar o cresciment­o. Mas o fez quando cumpriu bem o seu papel de defender a moeda. O primeiro projeto de independên­cia do Banco Central foi de autoria do então senador Itamar Franco, em 1989. Nos 27 meses em que governou o Brasil teve três presidente­s do BC. Com dois ele brigou, Gustavo Loyola e Paulo Cesar Ximenes.

Donald Trump nomeou Jerome Powell, mas mesmo assim entrou em conflito com ele. Powell continuou seu trabalho porque o Fed é independen­te. Na Argentina, o BC era independen­te, mas em 2010 a presidente Cristina Kirchner conseguiu demitir Martín Redrado. Jair Bolsonaro tenta dominar todas as instituiçõ­es e fez isso até com a Procurador­ia-Geral da República. Esse projeto conterá seus ímpetos. Tem, portanto, valor, mas não era nem de longe a prioridade do momento.

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