Realismo na viagem do Navio Pirata BaianaSystem lança hoje o álbum OxeAxeExu, que reflete sobre a atualidade
O figurino de Carnaval 2020 do BaianaSystem seria uma roupa de laboratório, mas ideia não se concretizou e virou uma premonição sobre o futuro. Símbolo que hoje está associado à pandemia, o traje seria usado para fazer uma provocação sobre o laboratório social que é a folia e seu mar de gente.
Passado um ano, as pessoas foram obrigadas a ficar em casa e o trio Navio Pirata ficou à deriva. Não vai ter live, decidiu o grupo, porque o Carnaval quem faz é o folião e sem a experiência ao vivo a festa não tem sentido, explicam o cantor Russo Passapusso e o guitarrista Roberto Barreto. Porém, para não quebrar a tradição, o grupo lança nesta sexta-feira de Carnaval a primeira parte do novo disco OxeAxeExu.
Dividido em três atos, com os outros lançamentos em março, o álbum abre caminho para uma nova travessia, dessa vez virtual. O primeiro disco, composto por sete músicas, leva o nome de Navio Pirata. A música de abertura, Reza Forte, reforça em sua letra que só mesmo “folha de arruda, pé de coelho e sal grosso” para atravessar esses mares agitados.
O Navio Pirata volta a navegar na sextafeira de Carnaval. Foi a única maneira que a gente entendeu que conseguiria comunicar algo, mesmo que virtualmente Roberto Barreto
PARADA BRUSCA
“A gente estava na energia do álbum O Futuro Não Demora, com tudo acontecendo, e de repente parou. Foi um choque absurdo. A gente ia fazer show com Gil em Londres”, lembra Russo, sobre o sucesso do grupo no ano em que chegou a ser questionado sobre o tamanho e a segurança de sua pipoca. “Da última vez, foi impressionante esse mar de gente”, relembra Beto.
Como uma premonição do que estava por vir, o Navio Pirata ficou à deriva pela primeira vez na festa do ano passado e parou, literalmente, em Ondina. Agora que está começando mais um Carnaval, o grupo revive a memória do que passou e volta a ser questionado com a frase clássica: “Como serão os futuros carnavais?”. Russo e Beto não sabem a resposta, mas entendem que é a oportunidade de viver algo novo.
“O Carnaval deu um vácuo na gente. Vai ser muito interessante para as pessoas verem o Baiana, que tem uma interação e uma vivência tão forte com esse laboratório social, apresentar esse trabalho”, destaca Russo, sobre a experiência inversa de criar primeiro um disco e só depois apresentá-lo ao vivo.
Como a folia momesca só faz sentido “quando existe a experiência” em si, na opinião de Beto, o novo álbum será lançado agora. “Por isso que o Navio Pirata volta a navegar na sexta-feira de Carnaval. Foi a única maneira que a gente entendeu que conseguiria comunicar algo, mesmo que virtualmente”, resume o guitarrista.
TANZÂNIA
Quando se tocou que a conexão virtual fortalecida com a pandemia permitia o contato com qualquer lugar do mundo, Russo pensou “por que não a Tanzânia?”. Foi o que o Baiana fez: entrou em contato com artistas do país que fica no leste da África e os trouxe para o novo disco produzido por Daniel Ganjaman. Estão lá o cantor Makaveli e o DJ Jay Mitta, ambos da cidade de Dar es Salaam.
Além deles, OxeAxeExu conta com a participação do rapper BNegão, da cantora Céu e de Dona Ritinha, rezadeira do sertão da Paraíba. “A gente estava, em tempo real, mandando imagens, trocando emoções e falando com eles. Então, esse navio imagético ficou fazendo essa travessia constantemente para dizer, hoje, que nosso Carnaval é essa mensagem na garrafa”, explica Beto.
A capa de OxeAxeExu já começa com a ideia de “luto e luta”, em uma bandeira preta feita por Cartaxo a partir da obra The New Brazilian Flag #2, do artista Raul Mourão. Ao contrário de O Futuro Não Demora (2019), mais esperançoso, no novo trabalho impera a realidade, o simbolismo e a “a força de tudo o que estava acontecendo”.
“Não queremos fazer um trabalho fora da realidade, principalmente nesse momento”, justifica Russo. Portanto, na impossibilidade de aglomerar e na ausência de uma live, os fãs podem escutar o disco que está sendo feito em tempo real. A segunda parte ainda está sendo gravada. “Vamos continuar lembrando do calor humano. Foi o material emocional que moveu a gente”, arremata.