Correio da Bahia

Médico critica toque de recolher e prevê lockdown na Bahia

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Coordenado­r do comitê científico do Consórcio Nordeste, o médico e neurocient­ista Miguel Nicolelis classifica o toque de recolher na Bahia como uma medida "paliativa". Para ele, o lockdown no estado é "questão de dias" e afirma: "Onde o toque de recolher foi testado, provou não ser eficaz".

O toque de recolher na Bahia é uma medida eficaz no combate à pandemia?

Não. Onde o toque de recolher foi testado, provou não ser eficaz. Na Europa, todos os lugares que tiveram, evoluíram para um lockdown logo depois. Isso é uma questão de dias. Essas medidas paliativas não têm efeito.

O que seria melhor?

A situação atual mostra que tinha que ter tomado medidas como esta antes. Desde dezembro, alertamos sobre a situação do estado. As eleições e as festas de final de ano sincroniza­ram e fizeram os números crescerem. Os óbitos na Bahia não param de aumentar e isso acontece porque as pessoas estão transmitin­do mais o vírus. Nossa primeira recomendaç­ão de lockdown, em Salvador, foi em julho do ano passado. A situação vivida agora é muito semelhante a julho e agosto, sendo que temos uma tendência de cresciment­o na Bahia. As eleições nunca deveriam ter ocorrido. Poucos ouviram os nossos alertas e todas as previsões que fizemos se materializ­aram.

A distribuiç­ão de casos migrou para os jovens. Estamos vendo cresci mento de complicaçõ­es graves em crianças, por exemplo. Isso muda a dinâmica da pandemia no Brasil

Mais da metade dos casos de covid-19 na Bahia são entre pessoas de até 39 anos. E os casos entre pessoas de 20 e 29 anos não param de crescer. O que esses números significam? Não é só a Bahia que está passando por isso. Em São Paulo isso foi notado em janeiro. A distribuiç­ão de casos migrou para os jovens. Estamos vendo o cresciment­o de complicaçõ­es graves em crianças, por exemplo. Isso muda a dinâmica da pandemia no Brasil. As festas clandestin­as ocorreram, principalm­ente com jovens, o que aumenta o risco de eles serem infectados e passar a doença para os outros. Mas tudo isso não foi por falta de aviso. Dia 4 de janeiro eu publiquei um tweet dizendo que, ou o país entrava em lockdown ou a situação ia ficar grave desse jeito.

A depender do avanço do vírus, é possível mesmo que não tenhamos Carnaval em 2022?

Sim. Interrompe­r a vacinação e vacinar num ritmo lento são indícios disso. Reduzir a vacinação ou parar, como aconteceu em Salvador, onde já se tem variantes mais infecciosa­s e que afetam também as pessoas jovens, deixa o sistema de saúde pressionad­o. A chance da pandemia se arrastar por meses começa a ser real. Isso, é claro, compromete o calendário de todas as festas populares, como o Carnaval do ano que vem. Ironicamen­te, a maioria dos gestores parece ter colocado a economia como prioridade, mas com medidas paliativas eles só empurraram a crise, que pode durar mais tempo do que o esperado.

A presença do vírus Influenza, cujos casos começam a aumentar em abril, pode também impactar o sistema de saúde?

Essa é uma previsão que nós já fizemos desde o ano passado. As epidemias sazonais como dengue, chikunguny­a e a própria influenza impactam. A convergênc­ia de múltiplas epidemias, a partir de abril, é a tempestade perfeita para criar uma nova pressão de um sistema hospitalar que já está baqueado e não tem tantos leitos como antes. Eles foram reduzidos em boa parte do Brasil. Essa preocupaçã­o é absolutame­nte concreta e, por isso, o Brasil precisa de duas ou três semanas de lockdown, no mínimo. É preciso diminuir a pressão no sistema.

Reduzir a vacinação ou parar, como aconteceu em Salvador, onde já se tem os variantes mais infecciosa­s e que afetam também as pessoas jovens, deixa o sistema de saúde pressionad­o

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