Fazendo as pazes com a Carménère, a uva emblemática do Chile
O Brasil desenvolveu uma relação de amor & ressalvas com a Carménère nos últimos anos. Há quem adore a uva emblemática do Chile, declarando inclusive preferência por seus taninos finos, maciez e match com a condimentada cozinha brasileira. Mas, há outros muitos que a julgam negativamente por seus aromas mais herbáceos, como pimentão verde e pimentão vermelho assado.
Esta polêmica característica aromática, desejada por uns e desprezada por outros, se dá pela presença da pirazina, um composto orgânico que protege as sementes da uva nos estágios iniciais de amadurecimento. Não é uma exclusividade da Carménère, sendo encontrada em quantidade semelhante na Cabernet Franc; em menor teor na Cabernet Sauvignon e Merlot; e também na branca Sauvignon Blanc.
Com um bom amadurecimento do cacho, a videira vai destruindo seu estoque de pirazina e aumentando a quantidade de açúcar na uva. Acontece que a Carménère demora a amadurecer; e uma sobrematuração pode comprometer a desejada acidez do vinho, deixando o enólogo e o viticultor com um problema a ser resolvido.
Uma das respostas a este desafio foi dada em dezembro de 2020, com o lançamento do Obliqua — novo vinho de alta gama da chilena Ventisquero. O tinto, importado pela Cantu, nasceu a partir de uvas plantadas em pé franco na Parcela 23 do vinhedo La Roblería, localizada a 475 m de altitude no Vale de Apalta (zona do Vale de Colchagua, sub-região do Vale de Rapel, ao sul de Santiago). Seu nome é uma homenagem a um grande carvalho, da espécie Nothofagus Obliqua, que sombreia algumas vinhas.
Esta área de 1,5 hectares é considerada um anfiteatro natural, rodeada por montanhas de até 1.500 metros que protegem os vinhedos dos ventos do Oceano Pacífico e lhes oferecem sombreamento. Seu clima é seco, com invernos rigorosos e verões quentes; e o solo é avermelhado de argila profunda, que se mistura com rochas e pedras, forçando as raízes pelas profundezas da terra. Foram mais de 15 anos de pesquisa até encontrar este terroir tão propício à elaboração de um bom Carménère.
Ali as videiras apresentavam menor rendimento e cachos menores, porém uma maturação plena. Para aprimeirasafraquechegouaomercado,ade2017,as uvas foram colhidas e selecionadas manualmente em meados de abril. Após a vinificação, foi adicionado 4% de Cabernet Sauvignon, 2% de Petit Verdot e a bebida foi envelhecida em barris e foudres de carvalho francês por 22 meses. Antes de chegar ao mercado, amadureceu mais um ano em garrafa.
O resultado é uma bebida deliciosa, intensa, com aromas de frutas vermelhas, especiarias e toque amadeirado no paladar. Nada de pimentão. Pode ser desfrutado imediatamente, mas possui um potencial de guarda de até 20 anos. “Obliqua é um vinho elegante, com notas de frutas silvestres, excelente estruturaecor,resultadodeumprodutoricoemtensão e de uma acidez equilibrada, características de um Carménère nascido nas alturas”, descreve Felipe Tosso, enólogo-chefe da Viña Ventisquero.
A harmonização sugerida é com carnes vermelhas assadas ou grelhadas, costelas de porco, queijos maduros e pratos condimentados. A minha foi com Tortano (pão de calabresa elaborado com massa de fermentação natural), queijo Canastra curado e presunto Parma. Que perfeição! Um vinho especial para momentos especiais.
São menos de 4 mil garrafas disponíveis no mercado. Em Salvador, é possível encontrar alguns exemplares por R$ 739,90 na Vinking Wine Concept (Pituba).
O Obliqua se une ao time dos rótulos ultra premium de Carménère da região de Apalta, dividindo o “olimpo” com Carmín de Peumo (Concha y Toro), Purple Angel Carménère (Viña Montes) e o assemblage Clos Apalta. Mas a pirazina sob controle não é exclusividade destes rótulos ou da região, sendo possível encontrar varietais equilibrados de diferentes terroirs, com boa qualidade e com preço mais em conta.