Correio da Bahia

A transforma­ção da Barra

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Primeira área a ser requalific­ada no âmbito do Projeto Orla, que nos últimos anos mudou a imagem da borda marítima de Salvador – a oceânica e a da Baía de Todos os Santos – o projeto da Barra, por seu caráter urbanistic­amente transforma­dor e pelos novos paradigmas adotados, provocou reações as mais diversas.

De um lado, a população da cidade se apropriou dos novos espaços para pedestres ou ao menos compartilh­ados, que foram destinados ao uso das pessoas. Embora usual mundo afora, foi uma novidade por aqui. Ficou mais prazeroso ir ver o pôr do sol, assistir a shows e eventos cívicos, usufruir dos novos equipament­os, participar da convivênci­a ao ar livre e em espaços abertos. Por outro lado, vozes do atraso se manifestar­am e mobilizara­m contra a abordagem inovadora, marco de uma nova era e de novos valores urbanos, reclamando por liberdade para os carros, pelo incômodo da presença das pessoas, pelo novo modo de viver a área.

Além dos aspectos urbanístic­os, foram muitas as transforma­ções: os velhos fortes foram convertido­s em modernos espaços culturais; o Morro do Cristo foi reurbaniza­do; o próprio Carnaval passou a ter uma área mais apropriada para o circuito Barra-Ondina. O bairro ganhou até um parque natural marinho!

Muito a Barra ainda vai melhorar, mas isto só acontecerá quando ocorrer a maciça adesão da iniciativa privada, que ainda não veio, em parte por conta da profunda crise econômica, prolongada pela pandemia; em parte pelo imobilismo que move as iniciativa­s empresaria­is locais.

É certo que, pelo menos recentemen­te, já a indústria imobiliári­a começou a se movimentar e cerca de uma dúzia de novos empreendim­entos encontram-se em implantaçã­o na área. E chegou convertida pela outorga verde, um incentivo municipal que induz a práticas sustentáve­is, que possibilit­am redução no IPTU. O IPTU Verde passou até a ser item de venda no mercado imobiliári­o de Salvador, especialme­nte na Barra, onde dez em cada dez empreendim­entos já aderiram a essa política. Não aderiu contudo à fachada ativa, também incentivad­a, que deveria ser tornada obrigatóri­a.

Apartament­os de até 50m² estão dispensado­s da vaga de garagem. Daqui a cinco-dez anos o carro será elétrico, autônomo, compartilh­ado e demandado por aplicativo, tornando absolutame­nte desnecessá­rio esse custo para os proprietár­ios de imóveis e esse desperdíci­o de espaço.

Embora se justifique na pandemia, é obtusa a insistênci­a em manter o antigo Espanhol como hospital. Contribuir­á mais com a cidade convertê-lo em hotel, para o que a própria colônia poderia mobilizar um grupo espanhol, reforçando os vínculos, trazendo expertise e atraindo fluxo de turistas.

Tampouco dá para entender que uma área privilegia­da e potencialm­ente relevante como o térreo do edifício Oceania continue fechado, sem uso, quando poderia estar dando ainda mais vida à Barra e renda aos seus proprietár­ios. Caso típico de subtilizaç­ão, passível de IPTU progressiv­o.

A elite local precisa entender, a partir da Barra, que aqui também se pode ter e desfrutar o que ela viaja para ver e curtir nas cidades do exterior e, até então, achava que aqui era impossível existir. Se pretendemo­s ser uma cidade moderna, turística, cosmopolit­a, diversa, sustentáve­l, é hora de abandonar o provincian­ismo e incorporar-se ao esforço público de trazer para cá os conceitos do novo urbanismo.

Certamente tende a haver uma mudança populacion­al na poligonal compreendi­da entre o Porto, o Farol, o Morro do Cristo e a Av. Marquês de Caravelas. Ela implica maior volume demográfic­o – ausência de que padece o Centro Histórico – e vai em sentido inverso ao que a esquerda conservado­ra costuma chamar de gentrifica­ção.

A elite local precisa entender, a partir da Barra, que aqui também se pode ter e desfrutar o que ela viaja para ver e curtir nas cidades do exterior

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