Correio da Bahia

A RADIOATIVI­DADE DO CAPITÃO

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Quando o senador Tasso Jereissati disse que até a eleição do ano que vem “as instituiçõ­es precisam ser fortes, trincar os dentes”, ele sabia do que estava falando. Semanas depois dessa advertênci­a, o capitão fritou de forma espalhafat­osa o presidente da Petrobras, com as consequênc­ias que são conhecidas.

Como escreveu o economista Gustavo Franco: “Boa tarde, Venezuela”. Bolsonaro e Hugo Chávez assemelhar­am-se na largada. Ambos foram militares indiscipli­nados, ambos mantiveram relações agrestes com as instituiçõ­es e ambos encantaram-se com o apoio de modalidade­s milicianas. Se Chávez foi para a esquerda, esse oportunism­o vem a ser irrelevant­e. Nos dois casos, a mola propulsora era a busca e a manutenção do poder.

Com a fritura de Roberto Castello Branco, o capitão mostrou sua forma rombuda de governar. Na sua sala de troféus estão as cabeças de Gustavo Bebianno, o advogado que se juntou a ele quando os bolsonaris­tas cabiam numa Kombi. (Foi Bebianno quem levou Paulo Guedes ao deputado.) Ao lado dessa cabeça estão as de Sergio Moro, Luiz Henrique Mandetta e a do general Carlos Alberto dos Santos Cruz. Dispensar colaborado­res faz parte do jogo, e o general francês Charles De Gaulle ensinou que a ingratidão é um dever do governante. Espalhafat­o e falta de argumentos racionais nada têm a ver com isso, sobretudo quando se vê o equilíbrio com que Bolsonaro e seus filhos tratam o miliciano Fabrício Queiroz.

Seria injusto, contudo, atribuir apenas à radioativi­dade de Bolsonaro o desfecho das crises que alimenta. Todos os colaborado­res que dispensou eram maiores de idade quando foram para o aglomerado contagiant­e de seu governo, inclusive o superminis­tro Paulo Guedes, que lá continua, de máscara.

O ectoplasma que se denomina “mercado” mostra-se perplexo com a conduta de seu capitão. Há hipocrisia nisso. Enquanto fritava Castello Branco, Bolsonaro nomeava Paulo Skaf, presidente da Fiesp, para o Conselho da República. O andar de cima acreditou na própria esperteza e deu-se mal. Esqueceram que, em 1999, o deputado Jair Bolsonaro defendeu o fuzilament­o do presidente Fernando Henrique Cardoso e o fechamento do Congresso.

Dispensar colaborado­res faz parte do jogo, e o general francês Charles De Gaulle ensinou que a ingratidão éum dever do governante

FRIAS, A ALMA DA FOLHA

Boa parte da alma dos jornais vem da alma de seus donos. A Folha de S.Paulo comemorou seu primeiro centenário e, num pequeno e delicado artigo, a jornalista Ana Cristina Rosa retratou a alma de Octávio Frias de Oliveira, seu dono de 1962 a 2007. Quando Frias morreu, a empreitada ficou com seus filhos.

A história contada por Ana Cristina Rosa diz tudo. Há 20 anos, ela era uma jovem jornalista e, ansiosa e insegura, foi entrevista­r o Frias (ele tinha horror a que o chamassem de “senhor”). Na saída, presenteou a moça com um livro e, na dedicatóri­a, chamou-a de “terrível inquisidor­a”.

Ela agradeceu:

"Esse seu ‘terrível’ tem duplo sentido, mas vou tomar como elogio. Obrigada. Ah, e vou guardar bem este livro para apresentar aqui na Folha quando eu precisar de emprego".

Frias respondeu:

"O sentido é único e está bem claro. Quanto ao emprego, é seu quando quiser. E não precisa trazer o livro".

Esse era Frias. Gentil, abertament­e afetuoso e, acima de tudo, atento. Sua alma ficou no jornal.

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