Um toque de ilusão no palco
Teatro Espetáculo virtual usa tecnologia para reunir atores em um único cenário
Um jogo de ilusionismo vai colocar, em um único cenário, todos os atores da Companhia Teatro dos Novos que estão isolados em casa. O encontro ao vivo acontece hoje, às 20h, na estreia digital do espetáculo Quem Não Morre Não Vê Deus, no YouTube. Com direção de Marcio Meirelles e texto censurado de João Augusto (1928-1979), artista fundador do Teatro Vila Velha (TVV), a peça celebra os 60 anos da companhia.
“Se reinventar é uma obrigação do teatro, ou então ele morre”, defende Marcio, 66 anos, sobre o texto escrito durante a ditadura militar, encenado a partir de 2003 e que, pela primeira vez, ganha uma versão “completamente pensada para o virtual”. “O que a gente está fazendo é criar uma ilusão quase de cinema, mas que é teatro, dentro de uma tela de computador, de celular ou tablete”, explica o diretor.
Ainda que use e abuse das ferramentas digitais, porém, o espetáculo segue sendo “analógico, braçal, artesanal como o teatro é”, pondera. Ou seja, não é igual ao cinema com pós-produção e efeitos aplicados, explica Marcio. “Nesse espetáculo, os atores manipulam o aplicativo, o cenário, a luz, até chegar ao ponto”, conta sobreapeçaquetemcenáriode Erick Saboya, figurino de Zuarte Jr. e transmissão de Walter Junior.
A experiência é mais complexa para o ator, na opinião da atriz Chica Carelli, “porque a gente não vê o colega, tem que calcular bem para onde direcionar o olhar e decorar onde supostamente ele está”. “Mas encaro como uma questão de experimentar coisas novas. Não vou dizer que acho melhor que presencialmente, de jeito nenhum, mas é uma possibilidade de continuar nosso trabalho e nossa comunicação com o mundo”, defende.
A partir de um jogo de aplicativos e outros canais digitais, como o Zoom, Quem Não Morre Não Vê Deus cria a ilusão de que os atores estão no mesmo lugar e até entram e saem pela mesma porta. “Tinha rejeição absoluta, até que entendi que tudo era tecnologia. A gente pode se apropriar dessas ferramentas”, reconhece o diretor da peça, cujo cenário cria o diálogo do popular e tradicional cordel, com o digital, a contemporaneidade.
SEM MEDO
O texto se passa nos anos 30 e usa a poética de cordel para falar sobre a relação do povo com os regimes totalitários. A trama se desenrola a partir da história de dois homens que estão sendo perseguidos pela polícia e pedem abrigo em um povoado. Mas a líder desse povoado, que já se relacionou com um deles
Minha admiração por essas mulheres que são do interior, bem pé no chão, mas que ao mesmo tempo têm uma maneira poética de ver o mundo Chica Carelli
no passado, não quer que a dupla entre para não atrair a polícia também.
Quando um dos personagens coloca os dois para dentro, todos os moradores resolvem enfrentar a polícia juntos. “O eixo central é a milícia, essa ameaça que a sociedade civil se junta para enfrentar”, explica o diretor. “Se vão sobreviver ou não, não importa. É o que diz a frase: quem não morre, não vê Deus”, diz.
Mulher de idade, Atenisca é uma personagem que “está pronta para enfrentar tudo e não tem medo da situação”, conta sua intérprete, a atriz Chica Carelli, 63 anos. “Meio clarividente”, a personagem prevê coisas e já naquela época falava que era necessário “matar os morcegos, porque eles vão trazer um vírus”. “Muita coincidência!”, diz Chica, surpresa com o diálogo com os dias atuais.
“Vai minha admiração por essas mulheres que são do interior do Nordeste, bem pé no chão, mas que ao mesmo tempo têm uma maneira poética de ver o mundo. Uma maneira engraçada, com uma linguagem gostosa que João Augusto traz”, elogia. Assim como sua personagem, a atriz veterana da Cia. dos Novos é uma “pessoa que enfrenta as coisas como elas são” e isso inclui novas formas de fazer teatro. SEXTA A DOMINGO, 20H, ATÉ DIA 21. INGRESSO: R$ 10, R$ 20 E R$ 50 (O PÚBLICO ESCOLHE . VENDAS: WWW.SYMPLA. COM.BR/VILAVELHA. NO YOUTUBE NOVO VILA VIRTUAL.
Sobre a personagem Atenisca