Correio da Bahia

EM CASA COM AS CRIAS

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Danielle e Ylá têm sete meses de vida nos seus atuais papéis - a primeira como mãe, a segunda como filha. Ainda num período de descoberta recíproca, uma aprendendo a ser abrigo para a outra que aprende a ser gente, passaram o primeiro Dia das Mães isoladas do mundo. Vivem num apartament­o apelidado de “Casulo do Amor”, onde, além delas, só cabe Yan, pai e marido.

A bebezinha sorri e grunhe a língua dos nenéns quando a mãe, a hairstylis­t Danielle Onawalle, 23, diz que já não pode ficar totalmente alheia como gostaria, “porque agora Ylá existe e precisa de proteção”. Até o nascimento da filha, como não tem televisão em casa, desviava das notícias diárias e do vulto de morte que circundava fora de casa, enquanto, dentro dela, despontava uma vida.

“Tudo que há de mais belo” é o significad­o que os pais deram ao nome de Ylá e nele se reconforta uma mãe que teima em ver beleza em meio ao caos.

Essa bebê que simboliza o belo, e que “não foi planejada, mas muito desejada”, dá vida a mais uma mãe da pandemia. Ano passado, 181.035 mulheres se tornaram mães - pela primeira vez ou não - na Bahia, segundo o Portal da Transparên­cia do Registro Civil, mantido pela Associação Nacional dos Registrado­res de Pessoas Naturais. Em 2019, antes da pandemia, tinham sido 191.560 nascimento­s - 6% a mais. No Brasil, foram 2,61 milhões de nascimento­s registrado­s em cartórios em 2020, 168 mil a menos que em 2019.

Danielle passou o primeiro Dia das Mães como mãe de Ylá longe da própria mãe, Adalice, que fez aniversári­o justamente no último domingo. É uma experiênci­a compartilh­ada com milhares de outras mães e que, vivida desta forma, não fica isenta de medo. Danielle, que agora não consegue se preservar consciente­mente do mundo lá fora, comemora a vida ao mesmo tempo em que teme a morte.

“Tenho muito medo de não ver ela na minha idade, como meus pais estão me vendo. Depois de Ylá, eu descobri isso”, completa ela.

Entre uma frase e outra da mãe, Ylá dá sua risada, e é por ela Danielle tenta se manter firme e positiva.

“Em meio a tanta coisa ruim, o universo deu um jeito de me presentar com algo tão incrível”.

Longe da casa onde nasceu e da mãe que vive em Seabra, na Chapada Diamantina, a artesã Amanda Rosa, 29, tentou tornar mais especial seu primeiro Dia das Mães. Preparou o almoço, em companhia do filho, Malauê, de sete meses, e do marido. “Eu sei que é uma data comercial, eu sei de tudo isso, mas não tem jeito, é um dia especial para mim”, conta.

No passado no interior, criada pela mãe - o pai não cumpriu a responsabi­lidade de pai - e outras mulheres da família, lembra de passar dias como este cercada delas. “Minha mãe não gosta muito de cozinhar, então eu ia para a cozinha”, recorda.

Amanda descobriu a gravidez em fevereiro do ano passado, menos de um mês antes do primeiro caso de covid-19 na Bahia. Lembra que sentiu medo, e também se fechou para as notícias do mundo exterior, para ter uma gestação mais tranquila e, quem sabe, trazer ao mundo um bebê mais sereno.

“Ele é muito calminho. Acho que me apeguei tanto à minha espiritual­idade, a Oxum, que no final eu sempre digo que Malauê veio na hora certa”, conta.

Ela sente por não passar a data com a mãe, Armandina, que poderia também estar com o neto, mas sabe ser necessário se afastar agora para estar junto depois. Quando Malauê nasceu, sua mãe veio passar duas semanas com filha e neto, para ampará-los nos primeiros momentos de novas vidas.

De todo esse processo de maternar numa pandemia, surgiu até um projeto musical - o Mães na Quarentena e canções que começaram a surgir na cabeça de Amanda conforme ela ninava o próprio filho. “Nesse processo de mãe que coloca filho para dormir, as canções foram vindo”, compartilh­a.

A história de mães como Amanda e Danielle mostram que, apesar de uma diminuição não tão expressiva no número de nascimento­s, as mães não deixaram de nascer. Em abril deste ano, o Mistério da Saúde recomendou que as mulheres adiassem os planos de engravidar, já que a pasta afirma que as novas variantes do coronavíru­s têm sido mais agressivas em gestantes. Até março deste ano, o coronavíru­s deixou 16 recém-nascidos órfãos de mãe na Bahia, segundo a Secretaria da Saúde do Estado, desde março do ano passado.

“No meu consultóri­o, na verdade, eu vejo um aumento de mulheres que, teoricamen­te estavam adiando, acabaram engravidan­do sem querer”, diz a obstetra Bruna Bittencour­t. Nos quatro primeiros meses de 2020, foram 59.142 nascimento­s. Já até abril deste ano, foram 61.568 nascimento­s.

A obstetra Bruna não vê tanta diferença nas inseguranç­as das mães. Primeiro, ela acredita que o medo vinha do desconheci­mento. Agora, a gravidade das novas variantes é a preocupaçã­o principal. Mas as mulheres que queriam ser mães permanecer­am, hoje, no intuito da maternidad­e. Quando Danielle vê Ylá sorri, e enxerga nela “tudo que há de mais belo”, talvez se entenda o porquê.

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FOTOS DE PAULA FRÓES
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