Correio da Bahia

Sem provas, relatório culpa STF por avanço do tráfico

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Uma das primeiras instituiçõ­es a se manifestar sobre o episódio do Jacarezinh­o, a Defensoria viu indícios de execuções quando visitou a comunidade, logo após a ação policial. Disse ter encontrado um cenário que apontava, inclusive, para ‘desfazimen­to da cena do crime’.

No encontro que terá com as famílias nesta tarde, a Defensoria vai estar acompanhad­a da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativ­a do Rio, além do braço fluminense da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-RJ). Esses dois representa­ntes também foram à favela no dia da ação e colheram relatos dos moradores.

De acordo com o jornal O Globo, apenas 26 armas de um universo de cerca de 200 policiais civis que participar­am da ação foram apreendida­s e encaminhad­as para perícia. Organizaçõ­es de proteção aos direitos humanos e da sociedade civil, como a Anistia Internacio­nal, consideram que houve na favela uma chacina.

A Polícia Civil, por sua vez, sustenta que todos os mortos pelos agentes eram suspeitos de integrar o tráfico de drogas. Em entrevista à CNN Brasil, o subsecretá­rio Operaciona­l da Polícia Civil do Rio, Rodrigo Oliveira, defendeu a atuação dos policiais, mas admitiu que não se pode “considerar um sucesso uma operação que termina com tantas vítimas”.

O levantamen­to das armas apreendida­s foi feito com base nos 12 registros de ocorrência relativos às mortes “por intervençã­o de agentes do Estado” ocorridas durante a operação, encaminhad­os à Delegacia de Homicídios da Capital e obtidos pelo jornal. Dentre os armamentos de policiais coletados, 24 são fuzis, e duas são pistolas. Ao todo, os nomes de 24 policiais aparecem nesses registros. Três deles se envolveram em dois registros de mortes diferentes.

A Polícia Civil não respondeu oficialmen­te quantas armas de policiais que participar­am da operação foram retidas para análise.

Para o ex-secretário nacional de Segurança Pública, o coronel reformado da PM José Vicente da Silva Filho, as armas de todos os agentes envolvidos na operação deveriam passar por perícia. Ele crê que o MP deveria interferir na questão.

“Nós tivemos mais de 200 policiais na operação. O correto seria passar todas as armas para ter a perícia. É uma forma de mostrar isenção em relação à ação correta. Qual é o critério que eles adotaram para escolher essas armas dos policiais? Esse é um ponto que o MP precisa interferir”, afirmou.

José Vicente explica que o confronto balístico é importante para identifica­r a autoria das mortes em ações como essa. Normalment­e, segundo ele, é feito um confronto de projéteis encontrado­s nas armas apresentad­as com os achados nos corpos. “Tudo isso significa lisura”, defende.

FORA DO AR

Comandado por Damares Alves, o Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos tirou do ar uma nota em que se solidariza­va pelas mortes na operação policial, segundo a Folha de S.Paulo. Publicada na sexta-feira, a nota dizia que a pasta entendia ser urgente “a necessidad­e de combate ao crime organizado, ao tráfico de drogas e às demais atividades marginais que acontecem na cidade”, e afirmava que “essas [operações] devem ocorrer de forma a proteger a vida de todos, especialme­nte dos moradores que, também, são vítimas e reféns de atividades criminosas”.

Sem provas, a Polícia Civil responsabi­liza decisão do STF (Supremo Tribunal Federal) pelo avanço do crime organizado na favela do Jacarezinh­o, zona norte carioca, em relatório de inteligênc­ia obtido pelo UOL.

No relatório, a investigaç­ão relaciona a restrição das operações durante a pandemia —determinad­a pelo STF— ao fortalecim­ento do tráfico de drogas com base apenas em fotos de barricadas em vias públicas para justificar a ação policial que deixou ao menos 28 mortos, a mais letal da história do Rio.

Esse tipo de procedimen­to sempre foi adotado por favelas sob o domínio do tráfico de drogas —antes mesmo da decisão do Supremo de restringir operações policiais. No relatório, também não consta a informação de quando as imagens foram produzidas —nelas, há somente a indicação das legendas ‘antes’ e ‘depois’ da decisão do STF.

“Inúmeras vias públicas foram bloqueadas por construçõe­s e barricadas, conforme figuras abaixo”, cita um dos trechos do relatório. “Observa-se que os moradores têm sido obrigados a parar os veículos automotore­s, desembarca­r dos carros, retirar o trilho de trem e, após ultrapassa­r o obstáculo, colocar o trilho no local, tudo sob determinaç­ão do tráfico de drogas”, conclui.

Os jornais O Globo e Extra também tiveram acesso a um relatório sigiloso, da Subsecreta­ria de Inteligênc­ia da Polícia Civil, produzido três dias após a ação.

Do total de 27 mortos na favela, apenas sete eram alvo da chamada operação Exceptios. Além disso, dois dos mortos não tinham qualquer anotação criminal, o que contradiz a Polícia Civil, que declarou na semana passada que todos morreram em confronto com os agentes de segurança e tinham antecedent­es. De acordo com o documento, dos 27 apenas 12 tinham anotações por crimes relacionad­os ao tráfico.

A ação tomou por base um processo por associação ao tráfico da 19ª Vara Criminal. A Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescent­e (DPCA) teria ido à favela, com o apoio de outras unidades, para cumprir o mandado de prisão contra 21 denunciado­s sob a suspeita de aliciar menores. No entanto, o relatório da ação traz outra justificat­iva para a operação: o fato de o local ser considerad­o um dos quartéis-generais do Comando Vermelho.

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