Correio da Bahia

A taxação das grandes fortunas é um debate forte. Aproveitan­do que você falou sobre “fechar os olhos”, você concorda ou discorda? Prefiro te responder da próxima vez. É um assunto delicado e muito grande. Não posso falar sobre ele sem estar preparado.

- Marina Silva foto marina.silva@ redebahia.com.br

E se aprende a ser bom?

Sim, tudo se aprende. No meu caso, meu pai foi fundamenta­l. Ele era um homem duro, rígido, autoritári­o, mas fez o bem. Você tem três almas. Uma alma boa, uma alma não boa e uma alma neutra. Dependendo da sua vivência, você alimenta uma ou outra. Quem é a pessoa mais egoísta do mundo? Uma criança de seis anos quer tudo para si, quer receber tudo e não dá nada. Recebe amor, mas não dá.

Como empresário, você consegue manter esse bem? Me dou bem nos dois papéis, de filantropi­a e negócios. Adoro trabalhar, detesto quando fico ansioso estando livre. Tento misturar o bem nos negócios. No domingo agora, fizemos um comitê de filantropi­a para levantar dinheiro para os corretores financeiro­s mais fracos. Os corretores vão levantar dinheiro, eu não.

Foi uma ideia deles.

Corretor quando ganha dinheiro torra tudo. Quando eu era executivo na empresa, quando havia diferencia de preço entre o que comprador queria dar e o vendedor cobrava, a diferença ia para caridade. Exemplo: eu vendo por 100 e você quer me pagar 90. Eu aceito 90, mas os 10 a mais você precisa doar. É uma mistura dos negócios com o bem.

Economicam­ente, é interessan­te fazer o bem? Economicam­ente, espiritual­mente... Sim, é muito importante. Se você tem e não dá, você paga. Tem que ser muito bobo para não escolher fazer o bem e pagar na eternidade. A nível físico se você faz o bem vem o bem também. Nem tudo é inteligênc­ia, pode ser benção. Se você doar dinheiro, você também ensina seus filhos a não serem egoístas. Fazer o bem e dar dinheiro só trazem coisas positivas. Não fazer o bem e não dar dinheiro é para quem é burro: B-U-R-R-O.

Você repara uma burrice nos empresário­s conhece? Risos. Não vou falar de quem conheço. Se não conheço, não conheço. Também não vou falar. Mas, em geral, vejo boa vontade. O que falta é cutucar as pessoas. É uma espécie de coisa dormente que tem que ser acordada. Quando você

Os donos do beco já receberam propostas de venda - não informaram quantas. Nunca venderam, pois nunca foi vantajoso, segundo um deles.

O valor de venda do metro quadrado no bairro do Corredor da Vitória é de R$ 8,6 mil, realizado pelo Mercado ZAP.

‘SEMPRE FUI POBRE’

O silêncio faz parte dos dias de semana no Beco do Wilson. Se lá fora há uma zona de carros, ônibus e marteladas, no Beco o volume fica decibéis abaixo. “Nem a televisão a gente ouve alto, o som é sempre baixinho. Eu mesma reclamo, se tiver alto”, diz a aposentada Ana Soares Fortez, 57, que sempre morou na mesma casa, quarto e sala, que na infância dividia com seis familiares.

Segundo Ana, o som baixo não tem a ver com os vizinhos nos prédios. “Sempre fui pobre, mas nunca senti essa discrimina­ção”, diz. Dois moradores de prédios vizinhos da Vitória, que não quiseram ser identifica­dos, disseram que “não tinham o que falar sobre o Beco do Wilson”, pelo fato de nunca terem sequer entrado lá.

Os moradores da travessa chegam atraídos pelo aluguel não só no centro da cidade, como no perímetro mais caro de Salvador.

A locação de um apartament­o de 32 metros, a 500 metros dali, custa R$ 2,5 mil. As casas do beco têm 30 metros, em média.

O Beco do Wilson era da família Costa Pinto até 1963, quando foi vendido a dois espanhóis,

Sem microfone ou qualquer aparelho de som, o samba é tocado e cantado por, na maioria das vezes, homens aposentado­s, que se conheceram no bar ou fora dali, e moram nas redondezas da Vitória, Graça e Barra.

O samba surgiu pouco antes do início da pandemia. Aconteceu assim: o aposentado Albérico Marques, 66, que conheceu o bar por intermédio de Marquinhos, tentou fazer um som com galões de água de um estabeleci­mento vizinho. O dono do depósito não gostou. Albérico menos ainda da reação. “Fiquei virado”, lembra.

Naquela mesma semana, ele desembolso­u R$ 600 para comprar instrument­os para o samba. No outro sábado, surgiu o Samba do Bandolim, que segue um repertório que passeia de João Bosco a Martinho da Vila, de Benito de Paula a Raul Seixas - adaptado.

Aos sábados, uma média de 25 pessoas participam do samba. Oito delas diretament­e, tocando ou cantando. O samba ganha projeção no boca a boca. Um amigo conta a outro e, no sábado seguinte, um novo visitante aparece.

À tarde é regada a cerveja, doses de cachaça mineira e tira-gosto - o que mais sai é o caldo de sururu. Para almoçar, o mais famoso é a dobradinha de Dona Lita.

A maior parte dos frequentad­ores conhece a Travessa do Wilson há décadas. O tio de Marquinhos - Marcos Paes, 67 - foi quem o levou para conhecer o Abaixadinh­o.

Na época, sempre tinha um sambinha, mas não assim, organizado, com data para acontecer e hora para começar a terminar - das 13h às 18h.

“Aqui já teve de tudo. Inclusive umas pessoas conhecidas e cantoras também, frequentav­am aqui”, conta Marquinhos.

Na época em que agência de publicidad­e Engenho Novo ficava no Corredor da Vitória, os funcionári­os promoviam uma lavagem do “Beco do Abaixadinh­o”.

Quando a reportagem visitou o beco, somente dois visitantes não tinham a tradição de frequentá-lo. Era o casal de turistas Márcia Bicudo, 45, e Aparecido Leitão, 61, que entraram ali pois viram cadeiras e mesas que indicavam a presença de um barzinho.

“Lá em São Paulo têm uns lugares que nem esse. É muito interessan­te”, diz o contador Aparecido.

Mesmo nos sábados mais fracos de movimento, o samba não deixa de acontecer. No meio de uma dessas tardes de música, Albérico dividia o partido alto com um jovem que estava à espera de um amigo.

Seja por obra de velhos conhecidos, ou recém-chegados, o samba que ecoa mostra que o beco não é de hoje, muito pelo contrário.

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