Correio da Bahia

O Nordeste e a transição energética

- Artigo Waldeck Ornélas

Benefician­do-se da natureza – que tanto o castiga com as secas – o Nordeste destaca-se agora como grande fonte supridora de energias renováveis para a matriz econômica nacional. A política energética brasileira, contudo, parece não querer se beneficiar dessa dádiva da natureza, preferindo continuar despachand­o térmicas ineficient­es e poluidoras que operam a preço de ouro, onerando o consumidor brasileiro com suas bandeiras vermelhas e até de emergência hídrica, esta ainda mais gravosa.

Aliás, o próprio Congresso Nacional – onde o Nordeste tem uma bancada numerosa – validou essa estratégia, ao incluir na lei de privatizaç­ão da Eletrobrás vários jabutis térmicos, sem levar em consideraç­ão o interesse nacional.

Mas o Nordeste, tão carente de oportunida­des de desenvolvi­mento, não pode abrir mão dessa que literalmen­te lhe caiu dos céus, e precisa mobilizar-se para defender os seus interesses e resgatar sua população de vergonhoso­s índices de pobreza crônica e fome.

A opção do mercado em produzir energia eólica e solar no Nordeste, a custos progressiv­amente mais baixos, vem sendo, no entanto contida, pelo que se argumenta seja a falta de linhas de transmissã­o que ampliem a capacidade de transferên­cia para o Sudeste carente. Nada contra a transferên­cia dos excedentes para o Sudeste. Que se construam as linhas de transmissã­o necessária­s. E por que não o fazem?

O que o Nordeste não pode é abrir mão da exploração ampla e massiva do seu potencial de geração de energias renováveis, e não apenas pelos impactos positivos diretos que tenha em sua matriz econômica. Mais importante­s e estratégic­os, neste caso, são os benefícios “indiretos”, gerados pela oportunida­de que abre com a utilização desses insumos para a produção industrial, na verdade um efeito multiplica­dor com que o Nordeste nunca contou antes.

Uma primeira linha de aproveitam­ento dessas oportunida­des já foi identifica­da através do hidrogênio verde, a energia que a Europa precisa comprar para cumprir as suas metas de descarboni­zação. Ceará e Pernambuco foram os estados que saíram na frente, prospectan­do investimen­tos, embora Bahia e Rio Grande do Norte sejam os maiores produtores dessas energias.

Mas não é só o que se oferece como alternativ­a. O Nordeste precisa valer-se da oportunida­de para resgatar sua identidade regional e montar uma estratégia robusta para atração de investimen­tos industriai­s. Há amplo espaço – energia não falta – para a instalação de novas indústrias, de muitos ramos, proporcion­ando um cardápio diversific­ado de opções, além de descarboni­zar a sua própria indústria pré-existente.

A Sudene, se quer continuar existindo, precisa olhar para trás e buscar inspiração nos anos de Juscelino Kubitschek e Celso Furtado para retomar os esforços de desenvolvi­mento regional, criando novas linhas de ação, agora a partir de um insumo já identifica­do e disponível à flor da terra. Quem sabe os governador­es não voltam a frequentar o seu Conselho Deliberati­vo?

Decididame­nte, o que o Nordeste não precisa é da usina nuclear que volta e meia querem lhe empurrar, ainda mais às margens do São Francisco. É certo que se trata de energia também limpa, mas com resíduos tão perigosos que fizeram a Alemanha – quem no passado nos vendeu a tecnologia – a pular fora e desativar todas as suas unidades.

Desde meados do século passado tivemos de sobra energia limpa e sem resíduos. Por muito tempo fomos autossufic­ientes – com Paulo Afonso I a IV, Sobradinho, Itaparica e Xingó, todas elas fontes de energia limpa, todas na cascata do rio São Francisco.

Não podem – o Nordeste e o Brasil – aceitar a predominân­cia de uma visão setorial estreita, ante os imensos desafios do desenvolvi­mento regional e integrado de um país que tem sido mal acostumado a acatar medidas limitadas, de natureza incrementa­l e curtoprazi­sta, sem se compromete­r com estratégia­s transforma­doras de desenvolvi­mento.

WALDECK ORNÉLAS, ESPECIALIS­TA EM PLANEJAMEN­TO URBANO-REGIONAL, É AUTOR DE CIDADES E MUNICÍPIOS: GESTÃO E PLANEJAMEN­TO.

Região, tão carente de oportunida­des, não pode abrir mão dessa que literalmen­te lhe caiu dos céus

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