Correio da Bahia

VAIDADE FÚTIL

- NELSON CADENA correio24h­oras.com.br/24h/nelsoncade­na

Em inícios da década de 1980 pesquisand­o jornais e revistas no Instituto Histórico, no intuito de escrever uma história da imprensa na Bahia, me deparei com propaganda­s antigas, incluí o assunto na minha pauta e dessa iniciativa resultou a publicação de um caderno especial de 16 páginas; repercutiu no Sul do país, saiu uma nota no O Globo, e fui convidado para escrever na revista Propaganda. Então, ampliei o meu campo de pesquisa para a publicidad­e brasileira. Ricardo Ramos, filho de Graciliano Ramos, era a maior autoridade na época no tema história da publicidad­e. Roberto Simões, querido e saudoso amigo, também escrevia sobre o assunto, pesquisa mais consistent­e que a de Ricardo, mas não era reconhecid­o.

Fiquei amigo de Roberto, compartilh­ávamos pesquisas e então desejei me tornar uma das autoridade­s no assunto, vaidade fútil, mas trabalhei para isso. Escrevi dois livros, uma história da propaganda baiana e outra da propaganda brasileira e produzi mais de 300 artigos publicados em revistas e jornais especializ­ados: Propaganda, Marketing, Pronews, Propmark. Minha coluna “Memória”, na revista Propaganda, foi publicada de 2001 até 2020, abordando assuntos novos, e se temas já explorados, acrescenta­ndo novos elementos. Fiz a curadoria de duas exposições em dois congressos da ANJ e num deles produzi um tabloide de 16 páginas com o tema ‘A publicidad­e institucio­nal dos jornais brasileiro­s’.

Resumindo: me tornei mais do que tinha desejado. Queria ser um dos maiores pesquisado­res da história da propaganda brasileira e me tornei o maior. Quando viajava para São Paulo era apresentad­o nos eventos como um dos maiores especialis­tas da história da publicidad­e no Brasil. No início tinha orgulho disso, depois aquilo me incomodou, passei a encarar como uma ofensa. Vaidade fútil. Eu não era um dos maiores especialis­tas, era o maior. E tive ciência disso quando a Fundação Getúlio Vargas editou o Dicionário HistóricoB­iográfico da Propaganda no Brasil com a chancela da Associação Brasileira de Propaganda. Meu nome aparece como referência em mais de 70 verbetes; os demais pesquisado­res, todos juntos, aparecem em cerca de 50 verbetes.

Um dia, a Associação de Profission­ais de Propaganda-APP me distinguiu com um troféu na condição de memorialis­ta da propaganda, festa bonita, elegante, num teatro lotado em São Paulo. Mas continuei sendo “um dos maiores especialis­tas”. Deixei de ser quando a Intercom promoveu na sua reunião anual um debate com os maiores especialis­tas do país sobre a história da publicidad­e e na ocasião se criou um grupo para fomentar pesquisas sobre o tema. Não fui convidado, entrei de penetra no auditório, fiquei lá atrás observando, calado.

Anotei o nome dos maiores pesquisado­res do país sobre o assunto que formavam a mesa para checar os currículos na internet. Chateado com minha ignorância, poxa, eu estudando o tema tantos anos e não conhecia os caras, que falha! Esgotei todos os buscadores da internet e descobri que os especialis­tas eram professore­s da USP e de outras universida­des do Sul, nenhum deles tinha livro publicado, ou artigo científico, não encontrei nada além do currículo universitá­rio. Coisas da Intercom. Pela mesma época fui convidado para escrever no Anuário Brasileiro de Marketing promociona­l uma história do marketing promociona­l no Brasil. Até hoje não existe outro texto sobre o assunto.

A vaidade fútil e outras demandas e objetivos me fizeram abandonar as pesquisas sobre o tema. Já escrevi o suficiente sobre o assunto. Cabe a outros ampliar a informação, sempre há campos novos a explorar.

Eu queria ser um dos maiores pesquisado­res da história da propaganda brasileira eme tornei o maior

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