Correio da Bahia

Desafios ao direito humanitári­o internacio­nal

- Artigo Juliette Robichez

A guerra na Ucrânia é palco de inúmeras violações do direito internacio­nal. Dia 28 de abril, dez soldados russos foram indiciados pelo Tribunal Penal Internacio­nal (TPI) por crimes de guerra presumidos. Estas acusações de violações “da lei e dos costumes da guerra” são as primeiras após a descoberta de corpos de civis nas ruas de Butcha.

O direito humanitári­o internacio­nal (DHI) é a lei aplicável em tempo de conflitos armados. Estabelece regras para enquadrar a condução de hostilidad­es e proporcion­a uma série de proteções para as pessoas afetadas pelas situações belicosas. A base fundamenta­l deste direito, que visa “humanizar a guerra”, encontra-se nas quatro Convenções de Genebra de 1949, nos seus Protocolos Adicionais de 1977, dos quais a Rússia e a Ucrânia fazem parte, e no direito humanitári­o internacio­nal consuetudi­nário, que o Comitê Internacio­nal da Cruz Vermelha compilou em 2005.

Para que o DIH se aplique, a situação de violência na Ucrânia deve ser qualificad­a como "conflito armado", o que a sociedade internacio­nal reconhece apesar da relutância do chefe de Estado russo, Vladimir

Putin, que proíbe até o emprego dapalavra“guerra”porseuscid­adãos. Prefere falar de uma “operação militar especial”, para justamente burlar a aplicação do direito internacio­nal e evitar uma eventual condenação pelo TPI, competente para julgar os indivíduos responsáve­is de crimes de guerra.

São várias as normas internacio­nais que foram violadas, pelos dois lados dos beligerant­es, mas podemos destacar algumas que refletem seu conteúdo. Desde o início da guerra, houve inúmeros relatos de bombardeio­s em áreas civis, incluindo áreas residencia­is, escolas e hospitais. Se estes fatos fossem averiguado­s (estamos cientes da guerra de informação dos dois lados), tais atos estariam em total contradiçã­o com o DIH que prescreve uma proibição absoluta de atingir “pessoas e edifícios civis”: os ataques só podem ser dirigidos contra “combatente­s” ou “objetivos militares”.

Isto não significa, no entanto, que quaisquer danos à propriedad­e civil constituam uma violação do direito, uma vez que esta regra só proíbe ataques diretos a civis.

Em outras palavras, danos colaterais a civis ou a seus bens podem ser permitidos em certas circunstân­cias listadas. São lícitos, por exemplo, os ataques que causam perdas acidentais de vidas civis, ferimentos a civis, danos a objetos civis, ou uma combinação deles, desde que não sejam excessivos em relação à vantagem militar concreta e direta prevista. Esta é a regra da proporcion­alidade e a análise de cada caso incumbirá ao tribunal. Outro desafio para a jurisdição criminal internacio­nal será o de investigar se o batalhão Azov do exército ucraniano não cometeu uma infração internacio­nal ao se esconder, conforme as alegações do Exército russo, na maternidad­e de Mariupol, o que poderia tornar o edifício hospitalar alvo militar legítimo.

Julgar o alistament­o em massa de todos os homens, ucranianos e estrangeir­os, em idade de lutar a pegar armas e resistir aos invasores, a ocupação da usina nuclear Chernobyl pelas forças russas ameaçando o meio ambiente, o uso de armas proibidas, a recusa do agressor de facilitar a criação de corredores permitindo uma assistênci­a humanitári­a para a população civil presa nas cidades atacadas etc. são os outros desafios que a sociedade internacio­nal, e o TPI em particular, deverão enfrentar uma vez que o direito internacio­nal e a diplomacia fracassara­m de novo em evitar essa nova tragédia para a humanidade.

JULIETTE ROBICHEZ É MESTRE E DOUTORA EM DIREITO PELA UNIVERSIDA­DE PARIS-I PANTHÉON SORBONNE (FRANÇA). PROFESSORA E PRESIDENTE DA COMISSÃO DE DIREITO INTERNACIO­NAL DO INSTITUTO DOS ADVOGADOS DA BAHIA (CDI-IAB).

São várias as normas internacio­nais que foram violadas pela Rússia e pela Ucrânia

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil