TECOLOGIA MUDOU PARA SEMPRE A FORMA DE LIDAR COM ELEIÇÃO
O sol e o calor estavam tão fortes que o suor escorria pela testa e pelas costas de Vera Lúcia Araújo, e encharcava a camisa da adolescente, mas ela não arredou o pé. Era o primeiro ano em que ela iria votar. A fila da seção estava dando voltas do lado de fora da escola, em um dos pleitos da década de 1970; o ano exato ela não lembra, mas nunca esqueceu da tensão pela espera do resultado da eleição, que só viria dias depois.
“Hoje tenho 67 anos e posso te dizer que a tecnologia mudou muito a nossa maneira de votar. Antes, como o voto era impresso, a votação demorava mais, a gente passava o dia todo na fila, também porque tinha poucas seções. Depois das urnas eletrônicas ficou muito mais fácil. Na última eleição, levei 10 minutos para votar. Quando falaram em voltar com o voto impresso eu pensei: ‘quem está falando isso não votava naquela época’. Era horrível”, brincou.
Ela também lembrou que disputas e acusações de fraude eram frequentes quando o voto era impresso, e disse que tem a impressão de que a cada ano a eleição está mais tecnológica. Não é impressão. Basta uma análise a olho nu para perceber que existem mais ferramentas digitais a serviço do eleitor, com dados e informações a um clique.
Em meados de agosto, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) lançou o Pardal, um aplicativo que permite aos eleitores denunciar irregularidades durante o pleito, e até o início desta semana, a ferramenta já tinha registrado 24 mil ocorrências. Além de fazer denúncia de forma virtual, o eleitor também pode votar assim. Desde 2018, o aplicativo e-Título pode ser apresentado como identificação na hora da votação.
Doutoranda do programa de Cultura e Sociedade da Ufba e coordenadora dos cursos de Comunicação da Unifacs, Camila Farias destaca que o avanço da tecnologia e do exercício da cidadania de forma digital são inegáveis, mas que as ferramentas colocadas à disposição ainda são limitadas em termos de debate. “Nos últimos anos, houve uma transformação digital e uma digitalização da vida social. A escolha dos nossos representantes e os processos democráticos não ficaram de fora dessas mudanças. Mas o que tem acontecido é que as ferramentas criadas são mais de consulta e entrega de serviço, e de poucas práticas de deliberação, de decisão, ou que convidem a sociedade para debater”, contou.
Farias pesquisa cultura digital e explicou que um dos desafios do poder público é realizar o letramento da população para lidar com essas novas tecnologias e evitar situação como, por exemplo, fotos e vídeos na cabine de votação. Já o eleitor, (Anatel), o final do primeiro semestre deste ano o estado tinha 15,3 milhões de linhas, mas o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE) estima que a Bahia tem 14,9 milhões de habitantes, ou seja, existem mais linhas de telefonia no estado do que pessoas.
Segundo os especialistas, essa demanda se deve sobretudo ao uso de dados nos aparelhos celulares e de aplicativos que exigem um número de telefone para operar, como WhatsApp e de transporte. O coordenador do curso de Sistema de Informação da UniFTC, Fabrício Oliveira, é mestre em Computação e explica que a pandemia intensificou o uso dessas ferramentas, mas que é preciso redobrar os cuidados.
“A tecnologia tem avançado muito rápido. A internet chegou ao Brasil em 1988 e oito anos depois as urnas eletrônicas entraram em funcionamento. Porém nós, usuários, não estamos evoluindo na mesma velocidade, não sabemos interagir com a interface produzida pelas mudanças tecnológica e movidos pela pressa, pelo imediatismo, podemos ter sérios problemas”, afirmou.
Ele frisou a necessidade de cuidados na hora de baixar um aplicativo. “Esse não é o local ideal para se fazer debate político, ele é raso e pode gerar interpretações equivocadas”, disse.
A invasão da tecnologia nas redes sociais é tamanha que este ano a Justiça Eleitoral decidiu obrigar o eleitor a entregar o celular ao mesário antes de se dirigir à cabine de votação.
A pedagoga Michele Santos, 28, atua há 10 anos como mesária, sempre na mesma escola, no Subúrbio Ferroviário, e contou duas experiências relacionadas à tecnologia. “Tem um rapaz que sempre quer tirar foto com a gente, todo ano. Ele vai votar sempre no fim da tarde, em águas, a gente tem que ser firme, mas é engraçado. Já na última eleição para presidente não foi divertido. Tivemos problemas com alguns eleitores que queriam tirar foto na cabine, que é proibido. Tivemos que chamar a segurança”, relembra.
Essa será a primeira eleição em que o eleitor terá que entregar o celular antes de votar. A estudante Isabela Soares, 23, está animada e temerosa, e considera as mudanças tecnológicas necessárias.
“Hoje todo mundo usa muito o celular. O aparelho que foi criado para fazer ligações, mas eu quase não uso ele para isso. A finalidade de ter um celular é estar conectado na internet. É lá que o eleitor está. Então, a Justiça Eleitoral precisa acompanhar essa mudança de comportamento. Os aplicativos tornam a vida mais fácil e mais prática”, disse.
Procurado, o Tribunal Regional Eleitoral da Bahia (TRE-BA) não se manifestou.