Correio da Bahia

“Não acredito em heroísmo, mas em luta coletiva”

Internet Letícia Oliveira é uma das poucas mulheres que identifica­m movimentos neonazista­s no Brasil

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Letícia Oliveira nasceu em Campo Grande, e veio para Salvador quando tinha 19 anos. Fã da saga Star Wars, comandava no extinto Orkut uma das maiores comunidade­s do mundo sobre a série. Frequentad­ora do movimento punk, era figurinha fácil em shows de rock do Rio Vermelho, nos anos 90/2000. Eram ambientes seguros para manifestar a personalid­ade contestado­ra, que forjou a cidadã que se tornou.

Desde 2012, a jornalista independen­te (uma das editoras do coletivo El Coyote) monitora, identifica e denuncia grupos neonazista­s na internet. Aos 44 anos, é a única mulher na Bahia e uma das poucas no Brasil com essa expertise, e foi uma das responsáve­is por denunciar a ativista de extrema-direita Sara Giromini, a Sara Winter, presa em 2020 acusada de atos antidemocr­áticos. Há algumas semanas, Letícia teve sua conta no Twitter derrubada, após escrever um artigo sobre o brasileiro que cometeu o atentado contra a vice-presidente argentina Cristina Kirchner.

Nos últimos anos, o Brasil identifico­u um cresciment­o de células neonazista­s. Em 2019, eram 344; em 2021, chegaram a 530, segundo a antropólog­a, professora e pesquisado­ra paulista Adriana Dias, uma das maiores estudiosas do nazismo no Brasil. Esses grupos são formados por três ou mais pessoas que se juntam para disseminar na internet discurso de ódio. Na Bahia, foi detectada uma célula em Feira de Santana. O Ministério Público chegou a abrir inquérito para investigar o caso, mas arquivou, alegando falta de dados.

Esta semana, um adolescent­e cometeu um atentado numa escola pública de Barreiras, oeste baiano, que matou uma aluna cadeirante. A polícia acredita que o atirador anunciou a tentativa de massacre numa comunidade virtual extremista. “Sou puro em essência, mereço mais que isso, sou ‘sancto’. Saí da capital do

Brasil para o ‘merdeste’, e nunca pensei que aqui fosse tão repugnante”, escreveu o adolescent­e, internado em estado grave após ser baleado.

Letícia continua fã de Star Wars, mas acrescento­u às suas preferênci­as filmes que têm o nazismo como tema, a exemplo de Bastardos Inglórios (Quentin Tarantino/2009). Questionad­a se se sente uma heroína moderna, é realista: “Não acredito em heroísmo, acredito em luta coletiva. Faço isso porque sou antifascis­ta”.

Fale sobre o trabalho de pesquisa que desenvolve sobre grupos neonazista­s e neofascist­as no Brasil.

Meu trabalho consiste em monitorar grupos e pessoas de extrema-direita que se organizam nas redes. A depender do que eu encontro, faço as denúncias, que podem ser publicadas em matérias jornalísti­cas ou nas redes sociais. Comecei a monitorar esses grupos em 2012 com o Femen - grupo feminino ucraniano que internacio­nalizou sua atuação em 2011 e foi tratado como um grupo feminista, mas que, na verdade, sempre esteve ligado à extrema-direita ucraniana.

Você chegou a ser banida do Twitter após publicar um artigo sobre o brasileiro que queria matar a vice-presidente da Argentina, Cristina Kirchner. Por que isso ocorreu?

Um streamer chamado Ian Neves leu meu artigo em seu canal na Twitch e o distorceu para dizer que eu estava "passando pano para nazista". Como o meu trabalho é justamente denunciar neonazista­s e neofascist­as, cobrei uma retratação pelo Twitter e seus fãs começaram a me atacar. O perfil foi suspenso em decorrênci­a das denúncias em massa dos seguidores do Ian Neves.

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