Correio da Bahia

O SANGUE-FRIO DE DINO E COSTA

- ELIO GASPARI oglobo.globo.com/brasil/elio-gaspari/

O repórter Guilherme Amado revelou detalhes dos acontecime­ntos do 8 de janeiro que justificam, com sobra, a troca do comandante do Exército, general Júlio César de Arruda. Mais que isso, revelam que o sangue-frio dos ministros da Justiça, Flávio Dino, e Rui Costa, chefe da Casa Civil, livrou o país de uma crise inédita, pela qualidade de suas atitudes.

Aos fatos, pela narrativa de Amado:

Na noite do dia 8, depois da invasão do Palácio do Planalto, do Supremo Tribunal Federal e do Congresso, uma tropa da PM de Brasília dirigiu-se à área onde estavam acampadas pessoas que havia semanas pediam um golpe de Estado. Muitas delas haviam participad­o das invasões à tarde, e o objetivo era prendê-las, por ordem do ministro Alexandre de Moraes. O comandante militar do Planalto ordenou que os policiais fossem barrados, e a cena da barreira foi mostrada pelas televisões.

Pouco depois, o comandante do Exército reuniu-se com o intervento­r federal na segurança de Brasília, Ricardo Cappelli, e com o coronel comandante da PM. Conversa dura, e nela o general Arruda teria dito:

- O senhor sabe que a minha tropa é um pouco maior que a sua, né?

Seguiu-se uma nova reunião, desta vez com a presença dos ministros José Múcio (Defesa), Rui Costa e Flávio Dino. Dino queria prender quem estava no acampament­o, e o general, além de não admitir as prisões, queria que ele devolvesse os ônibus que haviam transporta­do pessoas que invadiram os prédios da Praça dos Três Poderes.

Conforme revelou a repórter Marina Dias, as vozes elevaram-se, e os dois puseram-se de pé. Antes que o tempo pudesse fechar, "Rui Costa interveio e conduziu a conversa para uma conciliaçã­o. Ficou acordado que as prisões não seriam naquela hora, mas, sim, no dia seguinte de manhã".

Nessa mesma noite, questionad­o sobre o impasse, cujos detalhes cênicos não eram conhecidos, Dino deu uma resposta burocrátic­a, apaziguado­ra. Seu sangue-frio evitou que a crise fosse contaminad­a pelas tintas apocalípti­cas que Jair Bolsonaro injetou nas relações políticas nacionais. No dia seguinte, foi feita a paz.

Desde o dia 7 de abril de 1831, quando o brigadeiro Francisco de Lima e Silva mostrou a Dom Pedro I que seu reinado acabara, nunca aconteceu coisa parecida. Na manhã do dia 15 de novembro de 1889, o marechal Floriano e o chefe do governo, visconde de Ouro Preto, bateram boca. Pelas narrativas, enriquecer­am a boa literatura política.

Até os golpes precisam de uma etiqueta, e os brasileiro­s sempre a tiveram. Nunca se invadiram palácios nem se depredou o patrimônio.

As cenas ocorridas nos prédios da Praça dos Três Poderes foram inéditas pelo vandalismo, pela vulgaridad­e e pelo despropósi­to. Guilherme Amado e Marina Dias mostraram que o clima de cervejaria estava também onde não se imaginava que estivesse.

Em tempo:

Na noite 2 de janeiro de 2021, quatro dias antes da invasão do Capitólio americano, o general Mark Milley, chefe do Estado-Maior Conjunto, viu os tuítes dos trumpistas e comentou:

- Esse é o evangelho do Führer.

No dia 6, às 15h, Milley mandou a Guarda Nacional para o Capitólio. Às 19h45, o prédio estava retomado.

Dino queria prender quem estava no acampament­o, e o general, além de não admitir as prisões, queria que ele devolvesse os ônibus que haviam transporta­do pessoas que invadiram os prédios da Praça dos Três Poderes

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