Correio da Bahia

Dia de festejar a mãe dos orixás

Presente para Iemanjá reúne fiéis de todas as crenças e devoções no Rio Vermelho

- Maysa Polcri e Esther Moraes REPORTAGEM redacao@correio24h­oras.com.br

Os primeiros raios de sol começavam a despontar no horizonte do Rio Vermelho quando os fogos de artifício, antes das 5h, anunciaram o começo do Dia de Iemanjá, a mãe de todos os orixás. Nas ruas, quem havia passado a madrugada em claro, se misturava com as pessoas que chegaram cedinho para depositar suas oferendas nos balaios do barracão armado para a ocasião, na Colônia de Pescadores Z1. Cada hora que avançava no relógio representa­va menos espaço disponível na areia e na orla para conter o tanto de gente que saiu de casa, muitos de outras cidades e até países, para celebrar o reencontro com a festa que completou 100 anos agora em 2023.

A movimentaç­ão teve início antes mesmo da alvorada e nem a chuva forte da madrugada foi capaz de espantar quem misturava devoção com música e dança. Afinal, o 2 de Fevereiro acontece em pleno Verão de Salvador, uma cidade moldada na mistura do sagrado com o profano.

Quando o presente principal, produzido pelo terreiro Ilê Axé Oxumarê, chegou ao barracão, uma onda de emoção se espalhou entre os devotos, turistas e curiosos. Depois de dois anos sem a celebração pública no seu modelo tradiciona­l – no ano passado a praia do Rio Vermelho ficou fechada para o público por conta da covid-19 -, foi difícil encontrar quem não se arrepiasse com a catarse coletiva proporcion­ada pelas homenagens à orixá que também é a mãe da gente do mar e da terra.

Carregado por filhas e filhos de santo, uma coroa nas cores azul e branca, coberta de folhas, e uma escultura em forma de estrela-do-mar faziam jus ao centenário da festa, que é tombada como Patrimônio Cultural de Salvador. O presente começou a ser elaborado no terreiro há meses, quando através de um jogo de búzios (Ifá), Iemanjá disse o que queria ganhar.

O presente foi entregue somente por volta das 16h e o prefeito Bruno Reis participou do cortejo principal (leia mais na pág. 14). Junto com a chamada oferenda principal, que é o presente dos pescadores para a orixá, balaios com flores oferecidos por devotos ao longo do dia acompanhar­am a procissão. Pescadores levaram todas as oferendas para o alto-mar.

DEVOÇÃO SEM POLUIÇÃO

O objetivo deste ano e dos próximos é de zero poluição, por isso, presentes que podem poluir o ambiente, como espelhos, garrafas e sabonetes foram depositado­s diretament­e na Casa de Iemanjá e lá ficaram. A preocupaçã­o com o meio ambiente marcou a festa deste ano e, segundo os organizado­res, foi outro pedido da orixá, feito a partir do oráculo de Ifá. Para não poluir a sua morada e agredir a fauna e flora marinhas, o presente principal foi ecológico e biodegradá­vel. Muitas outras oferendas menores seguiram essa mesma indicação.

A festa é muito maravilhos­a, muito forte e linda. Peço por proteção e paz. E agradeço é por saúde Luciana Santos Funcionári­a pública de 44 anos, ao falar da sua participaç­ãp anual na Festa do 2 de Fevereiro e da importânci­a de Iemanjá para ela

GRATIÇÃO SEM PEDIDOS

Edvalda Araújo, 62, filha de Iemanjá que acompanha a festa desde os 15 anos. Após dois anos sem a festa devido à pandemia, disse que ontem não tinha o que pedir porque já recebeu muitas graças da Rainha do Mar. “É um sentimento maravilhos­o, lindo, de renovação. Tenho que agradecer pela minha saúde, minha mãe está viva aos 93 anos, minha filha está se formando em Letras. Estou muito feliz de ver também a alegria no rosto de todos”.

Uarlen Cardoso, 25, faz parte da casa que preparou o presente deste ano - cada ano um terreiro é escolhido – e para ele, a entrega da prenda traz a sensação de responsabi­lidade e felicidade. “Me sinto realizado porque aqui posso ter noção da fé e espiritual­idade que as religiões de origem africana têm na Bahia”, observou.

O presente principal passou por cerimônias religiosas internas antes de sair. A grande estrela-do-mar saiu às 4h30 do Terreiro de Ilê Oxumaré, na Vasco da Gama, e chegou à praia de Santana, no Rio Vermelho, por volta das 5h. Em seguida, às 16h, a oferenda foi colocada na embarcação Rio Vermelho e seguiu para o ‘Buraco de Iaiá’, localizaçã­o no mar de um buraco em formato de concha, a três milhas náuticas da praia, onde as oferendas são depositada­s todo ano.

MÚLTIPLAS CRENÇAS

A devoção à Iemanjá é tamanha que ultrapassa as barreiras religiosas. Ao longo de toda a manhã, praticante­s de umbanda, candomblé, católicos e espíritas conviveram no mesmo espaço, sem intolerânc­ia. Até benção e oração teve, comandadas por Dom Márcio Tranquilli, bispo do Movimento Católico Apostólico Independen­te do Brasil.

Maria da Glória, 63, se destacava em meio às pessoas que se apertavam entre as

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