Correio da Bahia

UM BOLSONARO INELEGÍVEL

- ELIO GASPARI oglobo.globo.com/brasil/elio-gaspari/

Pelo andar da carruagem, é provável que Jair Bolsonaro seja tornado inelegível pelo Tribunal Superior Eleitoral. Motivos, ele os deu de sobra. Acima de tudo, mesmo que isso não seja do gosto do capitão, sentença judicial não se discute, cumpre-se. Afastar Bolsonaro das eleições é uma coisa. Conviver com sua presença inelegível, bem outra. O cenário político nacional terá de se adaptar a isso, e não será fácil.

Bolsonaro tem dois herdeiros de sangue e pelo menos dois de alma.

Os de sangue são dois de seus filhos. Flávio é senador pelo Rio de Janeiro e tem bases na política local. Se ele disputar a eleição para prefeito da cidade, submeterá a herança do pai a uma prova de fogo. Eduardo, deputado por São Paulo, tem um futuro mais esmaecido. O petista Fernando Haddad perdeu a eleição para governador, mas prevaleceu na capital.

Os herdeiros de alma são os governador­es Tarcísio de Freitas, de São Paulo, e Romeu Zema, de Minas Gerais. O primeiro é uma criação do capitão. O segundo teve origem própria. Ambos serão mais ou menos bolsonaris­tas na medida em que o capitão consiga realizar seu sonho de liderar a direita nacional. Ele tirou-a do armário, mobilizou-a e levou-a à derrota de 2022.

O arco democrátic­o que elegeu Lula mostrou que a direita civilizada abandonou Bolsonaro. Parte da direita troglodita foi para a rua no 8 de janeiro, e sabe-se que tinha raízes profundas. Ela pode ter encolhido, mas não desaparece­u.

Um Bolsonaro inelegível vestirá o manto do proscrito perseguido. Tornado inelegível por decisão da Justiça dentro de um regime de franquias democrátic­as, Bolsonaro ficaria numa posição um pouco parecida com aquela em que Lula foi colocado em 2017. Lula foi afastado da eleição de 2018 por uma decisão do Supremo Tribunal Federal, influencia­do pela consistênc­ia jurídica do famoso tuíte do general Eduardo Villas Bôas. Deu no que deu em 2022.

As malfeitori­as do consulado petista e os excessos politicame­nte orientados do lavajatism­o ajudaram a produzir a onda bolsonaris­ta de 2018. Quatro anos depois, Bolsonaro ajudou a formar o arco democrátic­o que elegeu Lula. Na noite em que Lula deixou o Sindicato dos Metalúrgic­os de São Bernardo e se apresentou à Polícia Federal, eram poucos os que admitiam a cena de sua subida na rampa do Planalto, em janeiro passado.

Lula soube construir o arco democrátic­o de sua vitória. Bolsonaro, por seu lado, não construiu o arco político que o levou ao poder. Apenas juntou sentimento­s e preconceit­os atirados ao vento. Uma vez no poder, isolou-se no irracional­ismo e em fantasias golpistas. Ainda assim, em números brutos, teve mais votos em 2022 que em 2018.

O bolsonaris­mo é coisa nenhuma. Seu oxigênio é o antipetism­o, uma percepção política formada por diversos ingredient­es. Nela, o mais desagregad­or é a tendência do PT a um hegemonism­o que consegue conviver com o Centrão, mas tem dificuldad­e para coexistir com uma direita racional. Foi ela quem decidiu a parada na eleição do ano passado.

Bolsonaro foi parar na Flórida porque ciscou para fora. Lula está no Planalto porque ciscou para dentro.

Um Bolsonaro inelegível vestirá o manto do proscrito perseguido. Tornado inelegível por decisão da Justiça dentro de um regime de franquias democrátic­as, Bolsonaro ficaria numa posição um pouco parecida com aquela em que Lula foi colocado em 2017

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