Correio da Bahia

Em torno de nossas bolhas

- KÁTIA BORGES É ESCRITORA E JORNALISTA

katiamacce­s@gmail.com

Especula-se que o Universo gire em torno de uns 10 bilhões de quilômetro­s. Amanhã não se sabe, pois ele se expande e tudo que contemplam­os é anos-luz inalcançáv­el. Ainda assim fazemos planos sobre ir a Marte (morar por lá, fundar países). Enquanto não fincamos bandeiras em Marte, delimitamo­s com ferocidade nossas bolhas no planeta. Já reparou como a apresentaç­ão nos perfis das redes sociais costuma entregar as pessoas? É como uma plaquinha que se coloca na porta de casa ou um tapete: “se for de paz pode entrar”. Há quem não se descreva. Outros capricham numa citação ou mandam logo algo bem agressivo do tipo “nem tente”.

Optei certa vez por uma frase de Cecília Meireles. “Tenho fases como a Lua. Fases de andar escondida. Fases de vir para a rua”. E é verdade. Troco fotos de capa e perfil constantem­ente. Fico entediada com o patrulhame­nto neurótico sobre as postagens. As discussões seguem monotemáti­cas em torno da vida e das mortes. De vez em quando, criam grupos ou inventam debates sobre algo que incomoda. Todo mundo adota e sai reproduzin­do. Daí alguém pergunta: “quando faremos algo real a respeito?”. Logo, esquecem.

Há redes nas quais predominam fotos e vídeos. Mesmo já contaminad­as por memes e mensagens de texto, essas ainda oferecem uma contemplaç­ão saudável da vida dos outros. Afinal, é disso que se trata, não é mesmo? Ao menos, sob o abrigo das imagens, estamos a salvo das polêmicas diárias sobre todo e qualquer assunto. Mas não se engane, caro leitor, eu sou como todo mundo, embora costume seguir as minhas próprias regras. Gosto de gente, de saber das coisas, tenho curiosidad­e. Não sou em nada diferente de quem reclama e segue nas redes apesar do barulho.

Só que paro um pouco, às vezes, para escutar o silêncio. Não me afeta a zoeira estridente em torno dos temas sérios, mas a impossibil­idade de intervir seriamente. Penso em modos, mas apenas penso. Não sei distinguir no céu as várias constelaçõ­es. A frase é bem mais que o título de um poema de Cecília Meireles, bem mais que um verso. “Quando alguém diz saber alguma coisa, fico perplexa: ou estará enganado ou é um farsante”. A ignorância tem sido um bom disfarce.

AS DISCUSSÕES SEGUEM MONOTEMÁTI­CAS EM TORNO DA VIDA E DAS MORTES. DE VEZ EM QUANDO, CRIAM GRUPOS OU INVENTAM DEBATES SOBRE ALGO QUE INCOMODA

 ?? ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil