Você já viu uma feminista feliz?
Nesta semana, escutei um desses côaxis de masculinidade frágil (o que ficou conhecido fora da bolha dele, depois que ameaçou uma atriz de "processo ou bala", o tal Calvo do Campari) dizendo que nunca viu uma feminista feliz. Problema dele, lógico. Cada um vê o que pode. Não tô aqui pra contestar percepção de homem desse naipe. Que pense o que quiser, o traste. Mas fiquei aqui matutando duas coisas, sobre esse assunto.
A primeira é se ainda existe alguma mulher, no Brasil, que mesmo não se definindo feminista - OPTE por viver uma vida sem usufruto de direitos conquistados por feministas. Se houver, nem votar, vota, a coitada. Nem usa calças. Nem biquíni. Nem pode ter prazer sexual. Não trabalha fora, a não ser que o marido autorize. Não tem direito a herança nem à guarda dos filhos, em caso de separação. Nem pode estudar, entre outros tantos aspectos que só a ignorância mais profunda deixa passar despercebidos.
Nenhum desses direitos que, hoje, nos parecem tão naturais, foi oferecido pelo masculino, sabe? Foi tudo conquistado na luta de mulheres e nem faz tanto tempo assim (pesquise, leia). De modo que, feliz ou infeliz, se vive uma vida "normal", é porque a mulher está minimamente viabilizada, como ser humano, pelas conquistas das feministas que a antecederam. Então, evidentemente, exerce feminismo.
Ainda que negue, mas isso começaria outro papo. Este, sobre falta de conhecimento histórico, o que é uma praga conhecida.
O feminismo tem muitas vertentes. Algumas não me contemplam, pra falar a verdade. Mas o ponto pacífico, entre todas elas, é a premissa de que mulheres são seres humanos. Que, portanto, podem protagonizar as próprias vidas, fazer as próprias escolhas. No fim das contas, é essa afirmação primordial - e não especificidades de cada vertente - que ainda irrita certo tipo de homem. O que isso significa na prática. Justamente o fundamento que, por óbvio, viabiliza qualquer tipo de felicidade humana. Então, podemos concluir que: nem toda feminista é feliz (felicidade é uma composição complexa e instável), mas toda mulher feliz exerce feminismo, porque pode existir. Só o lugar de sujeito permite qualquer busca e conquista, inclusive a da tal felicidade.
A segunda coisa sobre a qual fiquei pensando foi a minha felicidade pessoal. O usufruto dos direitos básicos conquistados pelas feministas que me antecederam são o chão sobre qual fico em pé. É o essencial para existir e querer permanecer aqui, nem discuto mais. Daí, a aplicação dos conceitos "sou um ser humano" e "equidade entre os gêneros", em TODAS as áreas da minha vida, é o que viabiliza 100% das minhas felicidades da idade adulta. Ou seja, eu SÓ TENHO momentos plenos e felizes porque existiram feministas antes de mim, porque há feministas ao meu redor e porque sou profundamente feminista. Percebe?
Por exemplo. Gostando ou não, eu devia estar casada, devia estar usando sutiã, devia estar disfarçando meus fios brancos, devia até estar com o tendão do meu pé todo lenhado de tanto salto alto. Devia estar lavando cueca freada. Ou fiscalizando whatsapp de homem pra investigar se tinha outra mulher disputando aquele que devia ser meu líder, protetor e guia. Porém, estou solteira, com as tetas balançando, com os cabelos naturais e os calcanhares no chão. Feliz da vida.
Cueca, aqui em casa, só de meu filho. E ele lava. Disputar homem é esporte que não pratico. Porque eu quero viver assim, aprendi que posso