Correio da Bahia

Entre os gigantes e os minúsculos

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Não costumo reverberar o que bradam os néscios. Eles não me interessam. Mas esta semana nos deparamos com um episódio particular­mente nefasto neste país habitualme­nte acostumado a episódios nefastos. No Rio Grande do Sul, trabalhado­res em situação análoga à escravidão foram resgatados pela polícia. Eles trabalhava­m para uma empresa terceiriza­da que prestava serviços a grandes produtores de vinho da região. A saber: Salton, Aurora e Cooperativ­a Garibaldi.

Grande parte dessa mão-de-obra escravizad­a saiu da Bahia. Eram pessoas simples, agredidas das mais diversas formas e impedidas de deixar o local em que estavam. Trabalho escravo neste estágio da civilizaçã­o soa como uma anomalia, uma excrescênc­ia, mas é incomodame­nte comum no Brasil. O que me causa surpresa, no entanto, é que ainda existam pessoas, em plena terceira década do século 21, dispostas a defender essa forma vil de exploração. Como fez outro dia um vereador gaúcho, de quem não sei – nem me interessa saber – o nome.

É mais um desses néscios de que falei no início. Por que então perderia o meu tempo com ele? Porque discursos como o seu banalizam um ato heum diondo, tornando-o “admissível”. E pior: não representa­m uma visão isolada, como um tolo pregando no deserto, mas sim um coletivo que cada vez mais ousa dizer o seu nome. Que esse elemento é um calhorda de quatro costados não há a menor dúvida. Que merece uma punição que vá além da perda do mandato, idem. Mas me intriga como chegamos a esse estágio de degradação.

Não há novidade em dizer que nossa sociedade está doente, cindida por sintomas que na verdade são variações de uma mesma patologia. Mas é revelador que a epidemia de cólera – ou de raiva, ira, preconceit­o, racismo ou qualquer outro termo que se queira usar – tenha se externado justamente nos últimos quatro anos. Como se um episódio contaminas­se o outro e assim por diante. O Brasil de 2023 é fruto do Brasil de 2018, aquele que permitiu a ascensão da forma mais abjeta de canalhice.

Soube até que o tal vereador andou desancando o povo baiano, que segundo a sua imodesta opinião só sabe tocar tambor. Bem, como diria Dorival Caymmi, acontece que eu sou baiano. Nordestino, para ser mais abrangente. E nem mesmo sei tocar

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