Gigante em colapso
Crise Como fica o ecossistema local com a quebra do banco das startups?
Quarenta e oito horas foi o tempo necessário para quebrar o maior banco em depósitos no Vale do Silício. A informação de que o Silicon Valley Bank
(SVB) foi fechado por reguladores nos Estados Unidos assombrou a economia mundial durante a semana inteira com especulações quanto ao que está por vir frente à segunda maior falência de um banco na história do país. Com sede em Santa Clara, Califórnia, o colapso do SVB, minou a confiança do mercado, preocupado com a possibilidade da crise contagiar o setor financeiro e afetar o acesso a fontes de investimento por startups e outras empresas de tecnologia.
Se alguém está se perguntando, neste exato momento como os bancos quebram, imagine se todos os poupadores resolvessem tirar, de uma vez só, todos os seus recursos? Taxas de juros em alta, crédito escasso, empresas demitindo e um grande volume de clientes fazendo retirada de depósitos simultaneamente, na tentativa de esticar o dinheiro que ainda resta em caixa. O detalhe é que diante do resgate em massa de investimentos de longo prazo, o banco – que a gente bem sabe, capta recursos de um lado e empresta do outro – se viu incapaz de devolver o dinheiro depositado. Foi justamente esse efeito manada que levou o SVB à falência.
“A inflação dos EUA atingiu um dos maiores patamares nos últimos anos, o que afetou muito as empresas de tecnologia que começaram a ter muita dificuldade de crédito. O resultado foi que as startups não tinham mais grana e partiram para o saque de depósitos no SVB. A maioria desses recursos do SVB estavam, na verdade, aplicados em títulos do tesouro americano a longo prazo, com uma taxa bem inferior à taxa inflacionária atual”, explica o mestre em Administração, consultor e ceo da Hyper Group, Dario Perez.
De um lado, o aumento na taxa de juros nos Estados Unidos pulou de 0,25%, em 2020, para 4,75%, em fevereiro de 2023. Isto porque a intenção do Banco Central americano era tentar segurar a inflação. Do outro, recursos em queda, igual a falta de dinheiro. Mundialmente conhecido como o banco das startups, o SBV até que tentou reverter a situação com o anúncio da venda de US$ 2,25 bilhões em novas ações. Porém, foi aí que o pânico se generalizou, sobretudo, entre as empresas de capital de risco que correram para tirar qualquer centavo que ainda restasse na conta.
Fundado há 40 anos, o SVB tinha cerca de US$ 209 bilhões em ativos até o fim de 2022 e conforme o banco central americano era o 16º no ranking de maior banco do país. As ações despencaram 60%, fazendo o Silicon Valley Bank perder quase US$ 10 bilhões, segundo informações da agência de notícias americana Bloomberg.
O alívio só veio dois dias depois, quando o governo americano garantiu o acesso de todos os clientes aos recursos que mantinham no banco. O Federal Deposit Insurance Corporation (FDIC), afirmou que assumiu cerca de US$ 175 bilhões (R$ 900 bilhões) em depósitos. Em regra, o FDIC, geralmente protege depósitos de até US$ 250 mil. Em média, 90% dos clientes tinham depósitos acima dos US$ 250 mil garantidos pelo fundo.
Mal o remédio fez efeito, num intervalo de apenas três dias que o Departamento Proteção Financeira e Inovação da Califórnia fechou o SVB, o Signature Bank, também quebrou. Fechado por reguladores de Nova York, o FED e o FDIC aplicaram a mesma medida de garantia de depósitos do SVB. O Signature Bank acumulava até o final do ano passado ativos totais de cerca de US$ 110,36 bilhões e depósitos totais de aproximadamente US$ 88,59 bilhões.
Professor dos cursos de MBA da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Mauro Rochlin, destaca que é difícil prever se a situação atual pode ou não se desdobrar numa crise sistêmica, como, por exemplo, aconteceu em 2008 com o Lehman Brothers. Na ocasião, o quinto maior banco norte-americano quebrou e isso levou a uma corrida bancária que teve reflexo direto não só na economia americana, mas no contexto macroeconômico mundial. “Não é o que parece acontecer no momento, até porque o banco central americano
A maioria desses recursos do SVB estavam, na verdade, aplicados em títulos do tesouro americano a longo prazo, com uma taxa bem inferior à inflação atualDario Perez
mestre em Administração e consultor
Não existe outra maneira de se combater uma corrida bancária, a não ser a mostrar que o sistema é sólido Mauro Rochlin
professor dos cursos de MBA da FGV
Com o colapso da SVB, o investidor vai ser cada vez mais cauteloso na hora alocar recursos. Marcos Barreto
vice-presidente da Associação Brasileira de Startups e ceo da startup Eyby
INSTABILIDADE
Mais garantias, maiores retornos. Para o fundador e ceo da startup baiana MaisEntregas, Gustavo Barbosa, outro efeito cascata está na diminuição do apoio à inovação. A empresa conta com o aporte da plataforma de investidores-anjo Investidores.vc. “O colapso também significa menos novidades no mercado e mais exigências. Para conseguir dinheiro os projetos vão ter que trazer uma boa sustentação técnica, bons números e boas perspectivas, com bons gestores à frente”.
No caso da fundadora da também baiana InspireIP, Caroline Nunes, a apreensão é grande. A plataforma simplifica e reduz a jornada burocrática do registro de uma propriedade intelectual. “Vejo muita gente próxima, que empreende, demonstrando incertezas sobre o futuro por causa do que ocorreu. A falência afeta todo o sistema financeiro e coloca em xeque a qualidade dos critérios dos reguladores. A possibilidade de o SVB ser adquirido por outra instituição poderia amenizar o temor do mercado, mas ainda é importante monitorar os desdobramentos para compreender os riscos e possíveis efeitos em nossos negócios”, analisa.
Fundador de mais uma empresa que integra o ecossistema de startups baianas, a Hive Computer Vision, Will Rocha, se diz atento a todas essas repercussões. “É uma situação que faz com que a gente abra os olhos para tudo que possa acontecer daqui para frente. O acesso a um capital seguinte pode ser mais delicado. Agora, é analisar as consequências, como o mundo vai responder”.
DESAFIOS
Startups nascem e morrem todo dia, o que torna a falta de recursos financeiros para investir em pesquisa e desenvolvimento, contratação de talentos e expansão uma das principais dificuldades enfrentadas pelas empresas do setor. Economista, professor do UniRuy Wyden e gestor de Tecnologia da Informação e Comunicação (TIC), Elisandro Lima, afirma que o impulso para acelerar seu crescimento e aumentar sua visibilidade no mercado virá junto com a disposição para criar, produzir, inovar.
“Muitas vezes, são desafios financeiros únicos e com necessidades específicas em relação a serviços bancários, que cessam o processo de continuidade de excelentes projetos pela falta de capacidade financeira dos idealizadores. Mas a Bahia tem uma comunidade empreendedora dinâmica e diversificada, com startups que abrangem uma gama de setores, consolidando o estado como um importante polo de inovação e empreendedorismo no Brasil”.