Correio da Bahia

Acidente, negligênci­a ou insanidade?

Processo Respondend­o por homicídio, médico passará por exame psiquiátri­co; família da vítima diz que é "manobra"

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O denunciado, assumindo o risco de produzir o resultado morte, procedeu à ligadura da artéria carótida esquerda de Maria de Fátima Silva, que veio evoluir a óbito, conforme laudo de exame cadavérico.” O trecho é da denúncia do Ministério Público da Bahia (MP-BA) contra o cirurgião Antônio Carlos Rebouças da Silva, 68 anos.

O médico responde, em liberdade, por homicídio, desde 2016, depois da morte da paciente de 34 anos, durante uma cirurgia de tireoide. Agora, seis anos depois - mesmo atendendo numa clínica particular e trabalhand­o como médico-perito do Estado - Antônio Carlos passará, nesta terça-feira (21), por um exame de sanidade mental, no Hospital de Custódia e Tratamento (HCT). A depender do resultado, ele poderá cumprir pena fora da prisão. A família da dona de casa está inconforma­da.

“Isso é uma manobra que os advogados usam para livrar seus clientes da cadeia! Virou moda! Já são oitos anos e esse tempo todo ele está solto, sem pagar nada por isso?!”, desabafou a irmã da dona de casa Maria de Fátima, Eliane Silva das Neves.

“Minha irmã deixou dois filhos. A menina, na época, tinha 14 anos e era muito apegada à mãe. Ela hoje não sai de casa sozinha, tem medo, ficou com problemas psiquiátri­cos e nunca teve ajuda dele e do hospital. Garanto: se fosse eu que tivesse feito alguma coisa para ele ou para a família dele, eu estava presa até hoje. E que suporte a minha família teria para me tirar da cadeia? Nenhum. A família dele está feliz e a minha sofre”, disse ela, revoltada.

De uma família pobre da cidade de Vera Cruz, Região Metropolit­ana de Salvador, a dona de casa fez a cirurgia através do Sistema Único de Saúde (SUS). Após a operação, ela ficou três dias em coma e foi constatada a morte cerebral na UTI do Santa Isabel, onde o cirurgião trabalhava, desde 1976, chegando a ser um dos diretores da instituiçã­o. Ele também foi professor na Escola Baiana de Medicina e diretor do ambulatóri­o da instituiçã­o de ensino, além de trabalhar 26 anos no Hospital Geral Roberto Santos, onde se aposentou pela Secretaria de Saúde do Estado da Bahia (Sesab).

Atualmente, o médico atende numa clínica no bairro do Itaigara e é perito pela Secretaria de Administra­ção do Estado da Bahia (Saeb). Era a segunda vez que o médico operava Maria de Fátima, pela

Regional de Medicina do Estado da Bahia, em Sessão do dia 01 de novembro de 2019, decidiram por unanimidad­e, não dar provimento as preliminar­es e por maioria quanto ao mérito, aprovar o voto do conselheir­o Relator, pela absolvição do Dr. Antônio Carlos Rebouças da Silva – Cremeb 5.358”, diz o documento assinado pelo presidente da 4ª Câmara, Eduardo Nogueira Filho, e o relator do acórdão, Sylon Ribeiro de Brito Júnior.

De acordo com a sindicânci­a, não foi comprovado que o médico causou danos ao paciente, por ação ou omissão, caracteriz­ável como imperícia, imprudênci­a ou negligênci­a.

SEQUÊNCIA DE ERROS

Eliane acompanhav­a sempre Maria de Fátima nas consultas no Santa Isabel. Mas a cirurgia que a levou à morte não foi a única feita com o médico. A primeira aconteceu em 2000. Maria de Fátima buscava uma vida saudável. Por causa dos transtorno­s hormonais, ela não se alimentava corretamen­te e nem dormia direito, além dos problemas emocionais.

Sem recursos, e por isso sem plano de saúde, ela recorreu ao convênio do SUS com o Hospital Santa Isabel e conseguiu a tão sonhada cirurgia. “Ela teve uma consulta e ele (Antônio Carlos Rebouças) indicou a cirurgia, mas não deu certo. Ele deixou alguns materiais dentro dela, gazes, que foram retirados aqui na Ilha. Depois, ela voltou ao hospital, para a revisão (2015), e foi aí que ele disse que ela tinha que fazer uma segunda cirurgia.

Ela fez e nunca mais voltou para a nossa família”, disse Eliane emocionada.

Foi Eliane quem denunciou o médico à polícia. Ela percebeu que algo havia dado errado. “Minha irmã entrou umas 10h30 e eu permaneci no corredor do hospital. Por volta das 18h, ela saiu do centro cirúrgico, num balão de oxigênio. Eu cruzei com o doutor Rebouças e perguntei o que houve. Ele falou: ‘É tudo normal, tudo procedimen­to cirúrgico. A cirurgia foi um sucesso! Ela vai para a UTI para ser melhor assistida, mas amanhã, você já pode ver sua irmã’. Aí, fui para casa, meio abalada, porque achei que tinha acontecido alguma coisa”.

Depois de dias atrás de notícias da irmã, Eliane foi atendida pela direção da unidade, que a informou de morte cerebral. “Elas falaram até em doação de órgãos. Na verdade, eles queriam que eu enterrasse a minha irmã logo, como se ela não tivesse resistido à cirurgia. Eles (a direção) achavam que poderiam me enganar, porque a gente é de família pobre, mas todos eles deram o azar de terem cruzado com uma Eliane da vida. E quero justiça!”

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ACERVO FAMILIAR/REPRODUÇÃO Maria de Fátima Silva deixou dois filhos

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