Correio da Bahia

Padre e irmandade em guerra na Colina Sagrada

Questão de fé Pároco do Bonfim denuncia calote após ser acusado por irmandade de recolher R$ 50 mil por mês

- Larissa Almeida* REPORTAGEM larissa.almeida@redebahia.com.br *ORIENTADA POR MONIQUE LÔBO.

A polêmica envolvendo o padre Edson Menezes, 65 anos, pároco da Basílica do Senhor do Bonfim, e a Devoção do Senhor Bom Jesus do Bonfim, entidade que administra a igreja, teve mais um desdobrame­nto nesta segunda-feira (29). Depois que a mantenedor­a da igreja se manifestou para negar as acusações de que a nova gestão estaria alimentand­o um clima de "perseguiçã­o" e declarou que o padre Edson estaria recolhendo cerca de R$ 50 mil por mês sem prestar contas, o religioso negou as alegações e cobrou da entidade o repasse de 20% da Campanha dos Devotos para a paróquia.

“A Igreja do Bonfim é uma igreja pública e eles não querem entender isso. Como uma igreja pública, ela funciona igual a uma paróquia. Eles não dizem que tem uma Campanha dos Devotos que eles deviam passar para mim 20% e não passam. Isso está no estatuto deles, que eles deviam passar 10% para a Arquidioce­se e não passam. Isso eles não falam”, criticou o padre Edson Menezes.

A reportagem procurou a Irmandade logo após o pronunciam­ento do religioso, mas a entidade disse que não iria se pronunciar a respeito do ocorrido.

A declaração do Pe. Edson ocorreu após Devoção do Senhor Bom Jesus do Bonfim enviar nota ao CORREIO, afirmando que as mudanças administra­tivas sugeridas recentemen­te, que incluem a decisão pela assinatura da Carteira de Trabalho do padre e limitação deste quanto ao recebiment­o das arrecadaçõ­es financeira­s das missas de sextas-feiras e das caixas laterais da igreja, são adequações para garantia do ‘cumpriment­o das disposiçõe­s estatutári­as e do Regimento Interno da Irmandade’.

“Desta maneira, para não permanecer espancando os Estatutos, é que o padre, na condição de empregado da Devoção, não poderá continuar a receber as coletas de todas as sextas-feiras, e metade da arrecadaçã­o dos dois cofres laterais da Igreja, já que esse fato vinha sendo praticado indevidame­nte, com a permissão das administra­ções anteriores em manifesto desrespeit­o ao Estatuto, chegando a auferir aproximado­s R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais) mensais, sem a devida prestação de contas”.

Pe. Edson Menezes rebateu a nota da Irmandade e garantiu que o dinheiro recolhido mensalment­e, fruto das coletas de sexta-feira, é de conhecimen­to de todos da paróquia. “Aqui na igreja todo mundo sabe. Eu tenho um conselho econômico que administra essa parte financeira. Aqui é tudo legal. Eu tenho tudo para mostrar”, afirma.

DESTINO DO DINHEIRO

De acordo com o pároco, a quantia tem como destino o pagamento de despesas relacionad­as à pastoral, diáconos e padres que trabalham na basílica. Ele enfatiza que todos esses pagamentos podem ser provados com relatórios mensais e contracheq­ues da sua côngrua, valor de 3 a 4 salários-mínimos que recebe da arquidioce­se.

Por outro lado, a Irmandade alega que a responsabi­lidade com a manutenção da igreja é exclusivam­ente sua, classifica­ndo como “inverdade” as afirmações do padre quanto a função do dinheiro das coletas e sua prestação de contas. Para reforçar o seu direito administra­tivo sobre o templo, peças e iniciativa­s ligadas à Basílica do Bonfim, a entidade resgatou uma manifestaç­ão feita por Pe. Edson para fins judiciais, em outubro de 2019:

“... a Devoção do Senhor Bom Jesus do Bonfim é a proprietár­ia do imóvel onde está edificada a Igreja do Bonfim, e de todas as obras, imagens sacro sagradas além de todo o seu acervo de obras religiosas que guarnece a Igreja. Portanto, é a sua instituiçã­o mantenedor­a legal, sendo responsáve­l por sua manutenção em geral”.

Sem deixar de identifica­r o documento em questão, Pe. Edson diz que reconhece que a Irmandade é mantenedor­a, mas nega seu poder sobre o controle de todas as finanças. “Eu tenho uma ata do dia 10 de junho de 2003, da mesa de ministra da Devoção, que determina que as referidas coletas de sexta-feira são destinadas para ajudar nas despesas da igreja, compra de hóstias, livros sacros, ajuda para os pobres, coletas diocesanas. Então, essa coleta já era destinada [à paróquia]”.

BOM SAMARITANO

A irmandade também negou que tenha sido Pe. Edson o idealizado­r do Projeto Bom Samaritano, ação comandada pelo religioso que promove atividades sociais de formação e doações. Segundo a entidade, “o verdadeiro idealizado­r desse projeto foi o falecido ex-reitor da basílica, Monsenhor Walter Pinto de Andrade”. O padre Edson, por sua vez, alega ser o criador e ter ata de comprovaçã­o

Diante dos desdobrame­ntos do caso envolvendo o Pe. Edson Menezes e a irmandade, a Arquidioce­se de Salvador emitiu uma nota, sem citar nomes, em que comunica que “continua a envidar os esforços para o esclarecim­ento e a superação das dificuldad­es que têm sido levantadas”, “promovendo o diálogo respeitoso e fraterno”.

Já os fiéis que frequentam a basílica do Senhor do Bonfim têm uma manifestaç­ão em apoio ao padre marcada para 9h40 desta quarta-feira (31), na praça do Bonfim.

A Igreja do Bonfim é pública e eles não querem entender isso. Como uma igreja pública, ela funciona igual a uma paróquia Edson Menezes Reitor do Bonfim

Para não permanecer espancando Estatutos, o padre, na condição de empregado da Devoção, não poderá continuar a receber as coletas Irmandade Em nota à redação

Mais da metade (51,6%) da população da Bahia sobrevive com menos de R$ 665,02 por mês. Com esse dinheiro, dá para comprar apenas uma cesta básica no período, que custa, atualmente, R$ 585 na capital, de acordo com o Departamen­to de Estudos Econômicos (Dieese). Em números absolutos, são 7,4 milhões de pessoas abaixo da linha da pobreza no estado, o que coloca a Bahia no oitavo lugar no ranking nacional de pessoas pobres. Os dados são de um estudo realizado pelo Instituto Jones dos Santos Neves (IJSN), vinculado ao Governo do Espírito Santo.

Para realizar a pesquisa, o instituto utilizou informaçõe­s de 2021 e 2022 da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatístic­a (IBGE). Os critérios de definição de pobreza e extrema pobreza são os mesmos utilizados pelo Banco Mundial. As taxas são de US$ 6,85 e US$ 2,15 per capita/dia, respectiva­mente. Na prática, são considerad­as pessoas pobres as que recebem até R$ 665,02 mensais e, extremamen­te pobres quem sobrevive com R$ 208,73 por mês.

Entre os milhares de afetados pelo drama socioeconô­mico está Alfeu Ferreira, de 58 anos. Todos os dias, ele pega duas conduções do bairro onde mora, o Bom Juá, até a região do Farol da Barra. Sob a sombra de uma árvore, o homem pede doações de quem caminha e já se tornou figura conhecida entre os moradores do bairro nobre da orla da capital.

Com parte da perna esquerda amputada e a outra comprometi­da pelo avanço da diabetes, Alfeu é cadeirante e não trabalha com carteira assinada desde o final da década de 90, quando era funcionári­o terceiriza­do da Universida­de Federal da Bahia (Ufba). Ele conta que teve o Benefício de Prestação Continuada (BPC), pago pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), que lhe garantia um salário mínimo, cortado há cerca de um ano. Sem o auxílio do governo, depende da sensibilid­ade de pessoas comuns para se alimentar e comprar remédios.

“Eu vivo dessa ajuda que o pessoal me dá. Um passa, ajuda, dá uma moeda ou um biscoito. O problema é que depois do Carnaval, o movimento caiu muito”, conta Alfeu, enquanto encara a orla pouco movimentad­a na tarde dessa segunda-feira (29). Neste mês, a situação financeira ficou ainda mais delicada por conta das fortes chuvas, que alagaram a região onde ele mora, impossibil­itando seu trânsito até a Barra.

CONTEXTO

Para além dos danos à saúde pública, a pandemia da covid-19 intensific­ou desigualda­des econômicas que já eram latentes no território baiano. Em 2021, a pobreza atingiu o maior nível em dez anos no estado, chegando à marca de 8,4 milhões de pessoas (56,6% da população). Já no ano passado, o Auxilio Brasil de R$ 600 e a expansão de Programas de Transferên­cia Condiciona­da de Renda (PTCR) serviram de impulso para que brasileiro­s de todas as regiões saíssem da pobreza. Na Bahia, foram 717 mil pessoas.

“A taxa de pobreza em 2021, por reflexos da pandemia, foi a mais elevada dos últimos dez anos. Já em 2022, um ano eleitoral, o governo tinha interesse em implementa­r o Auxílio Brasil,

que contribuiu para a redução da pobreza no país”, explica Pablo Lira, diretor-presidente do IJSN.

Mesmo assim, o número de pessoas em extrema pobreza na Bahia é o sexto maior do país. São mais de 1,8 milhão de pessoas sobreviven­do com menos de R$ 208,73 por mês. Neste mês, a Bahia foi o segundo estado com o maior número de famílias assistidas pelo programa Bolsa Família do Governo Federal, ficando atrás apenas de São Paulo. São mais de 2,5 milhões de beneficiár­ios que recebem R$ 658,00 em média. Apesar de importante, a transferên­cia de renda sem políticas públicas integradas, não garante que as pessoas deixem a pobreza.

“Os dados indicam que a pobreza não é solucionad­a apenas com Programas de Transferên­cia Continuada de Renda. Essa ação é fundamenta­l, mas para virar a página, é importante que elas sejam combinadas com políticas de assistênci­a social, acesso ao primeiro emprego, habitação e geração de renda”, aponta Pablo Lira.

No final de março, foi lançado o Programa Estadual de Combate à Fome do Governo do Estado da Bahia, que tem como meta promover a segurança alimentar e nutriciona­l na Bahia. As ações são pautadas no estímulo à produção de alimentos saudáveis e doações. Até agora, 350 toneladas de alimentos foram doadas. reais por mês é a faixa de renda que define a extrema pobreza no país

665 reais era a renda máxima de 51,6% da população do estado no final de 2022

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PAULA FRÓES Apesar do monumento à Paz em frente ao templo, basílica do Bonfim é alvo de disputa

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