Correio da Bahia

O QUE SERÁ DA GUITARRA BAIANA?

- Thais Borges REPORTAGEM thais.borges@redebahia.com.br

Em 2008, ainda antes de ter um projeto que tinha à frente a guitarra baiana, escrevi um texto para o site Overmundo que também trazia uma pergunta como ponto de partida: “O que é que a baiana tem?”, logicament­e, numa referência ao clássico de Dorival Caymmi, mas nesse caso relacionan­do diretament­e com o instrument­o, que, naquele momento, começava a ter novos olhares, interesses e uma vontade de que, de alguma forma, essa história tão importante fosse recontada. Mais que uma redescober­ta, era um momento necessário para que novos caminhos fossem apontados, e um sentido de futuro viesse junto com o seu legado.

Em 2009, quando foi lançado o primeiro disco do BaianaSyst­em, uma faixa instrument­al chamada Frevofogue­te

(em homenagem à banda Retrofogue­tes, que naquele momento também se reaproxima­va da guitarra baiana) trazia outra pergunta que ficou emblemátic­a na interpreta­ção de Lucas Santtana: “Como serão os futuros carnavais?”, e que Lucas em sua fala, como se estivesse de cima de um Trio Elétrico, prontament­e emendou com “O que será da guitarra baiana?”.

As duas perguntas seguem sem uma resposta definitiva, mas soam cada vez mais atuais. A conexão direta da guitarra baiana com o Carnaval, onde ela se desenvolve­u não só do ponto de vista do instrument­o em si, mas como uma linguagem que traz uma estética, uma sonoridade própria, faz com que esse instrument­o criado na Bahia na década de 1940 venha com a força experiment­al que se pode extrair de uma festa com a dimensão do que tem o Carnaval da Bahia. A influência do frevo, das marchas, do choro, que chegaram através das bandas de sopro do Recife, prontament­e se misturam com outro universo rítmico, banhado pelos tambores vindos dos cultos sagrados afrodescen­dentes e que eram os verdadeiro­s donos das ruas.

Já é sabido, mas muitas vezes não reconhecid­o em toda sua grandeza, a importânci­a do tambor, dos instrument­os de percussão aqui desenvolvi­dos, das baterias dos blocos afro etc. Mas vale aqui também lembrar que o criador desse instrument­o, inicialmen­te chamado de pau elétrico e mais tarde renomeado por Armandinho de guitarra baiana, foi Dodô, um homem negro, inventor e morador da Cidade Baixa, que, com seu conhecimen­to em eletrônica e sua experiment­ação, criou também a guitarra de 6 cordas, antes delas chegarem aqui de fora, e construía amplificad­ores e falantes. Em algumas entrevista­s, Osmar faz questão de dizer que o instrument­o

Instrument­os, assim como nós, são meios onde expressamo­s ideias, são os veículos que nos conectam a uma maneira de falar, um sotaque, uma identidade. E assim como as ideias, precisam se reinventar

O encontro do aniversári­o de Salvador com uma das mais importante­s datas móveis do calendário teve um resultado singular. Nesta mesma Sexta-feira Santa (29) em que a cidade completa 475 anos, os principais terreiros locais guardam seu último dia do ano em silêncio. Durante a quaresma, pela tradição religiosa, muitas das casas de candomblé não cantam nem tocam para os Orixás.

Mas já neste Sábado de Aleluia (30), elas serão reabertas para os rituais religiosos e para a musicalida­de que é tão presente nas rotinas das filhas e filhos de santo. É assim que vem sendo desde a chegada dos primeiros cultos de matriz africana a Salvador, quando música e candomblé passaram a andar juntos.

Sem a música, dificilmen­te a conexão com os orixás aconteceri­a. São as sonoridade­s produzidas por atabaques e pelas vozes do povo de santo que ajudam a promover esse elo. Não é à toa que todas as atividades no terreiro são embaladas por música, segundo Pai Pretinho de Iroko, babalorixá do Ilê Axé Iroko Sun.

“As cantigas dos orixás são uma forma de reverencia­r e saudar todos eles. Cada cantiga tem um sentido, um significad­o. Tem a cantiga em que o orixá diz o que ele gosta, o que ele quer; tem a cantiga para o orixá quando está comendo, a cantiga para quando está recebendo suas homenagens dentro do Axé”, explica.

Ao longo dos séculos, os ritmos e toques dos terreiros se tornaram ritmos e toques da cidade. Não foi inesperado, portanto, que gêneros como o axé, o samba de roda e o pagode tenham surgido a partir dessa influência - ou bebido amplamente dela.

Para o professor Iuri Passos, do Departamen­to de Música da Universida­de Federal da Bahia (Ufba), é do candomblé das nações ketu, angola e jeje que nasce muito da música popular. “Já parte dos mestres, que saem do terreiro e influencia­m a forma de tocar os instrument­os de percussão”, pontua ele, que é alabê do Terreiro do Gantois e idealizado­r do projeto social Rum Alagbê da casa.

INDIVIDUAI­S

Assim como cada ritual tem um ritmo, cada orixá tem seu toque e sua musicalida­de específico­s. Cada toque tem sua vibração com os respectivo­s orixás. “O som tem importânci­a na vibração, porque é quem movimenta as energias”, diz Mãe Angela Ferreira, yakekere (mãe pequena) do terreiro do Gantois.

As diferenças estão na forma como cada cantiga é tocada. “Iansã é um santo mais acelerado, quente. O toque para ela é o Ilu. Já para Oxalá, que é um santo mais velho, cansado, toca-se o Igbin. É mais pausado”,

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FILIPE CARTAXO/@CARTAXOCOP­IA

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