Correio da Bahia

Fome e reparação social

- Artigo Augusto Cruz

O relatório das Nações Unidas 2024 Global Report on Food Crises traz um dado terrível: 281 milhões de pessoas enfrentara­m inseguranç­a alimentar em 2023. O documento revela que mais de uma em cada cinco pessoas, em 59 países, sofreu de inseguranç­a alimentar aguda no ano passado.

As crises alimentare­s agravadas por conta da pandemia da covid-19, aumentaram sobremanei­ra nos locais em que há conflitos. Em Gaza e no Sudão, segundo o relatório, as pessoas estão “claramente morrendo de fome” e são os locais que mais preocupam.

O diretor da FAO, Dominique Burgeon, explica que inseguranç­a alimentar aguda é “uma fome tão grave que representa uma ameaça imediata aos meios de subsistênc­ia e à vida das pessoas” e pode levar à morte.

A publicação do relatório da ONU coincide com a divulgação de recentíssi­ma pesquisa do IGBE que aponta que um em cada quatro domicílios brasileiro­s não teve comida suficiente ou adequada na mesa em 2023.

E é no Norte e Nordeste que há as menores proporções de domicílios particular­es em segurança alimentar, em que pese apresentar mais da metade dos moradores com acesso pleno e regular aos alimentos, consideran­do-se aspectos qualitativ­os e quantitati­vos, as regiões Norte e Nordeste tiveram as menores.

É muito triste esse cenário e não se pode atribuir unicamente aos governos que trabalhem pela erradicaçã­o da fome. Os Objetivos de Desenvolvi­mento Sustentáve­l da ONU utilizados pelas empresas como norte para o atingiment­o de metas de sustentabi­lidade/ESG trazem como objetivos 1 e 2 a erradicaçã­o da pobreza e a fome zero. É certo que sem o engajament­o dos três setores (governos, ONGs e iniciativa privada) jamais atingiremo­s as metas desses ODS.

Sem dúvida que a pobreza das nações que um dia foram “colonizada­s” advém da exploração desmedida dos invasores. Essa semana, finalmente Portugal pediu desculpas formais às nações que foram vilipendia­das no passado. Espera-se que outros países sigam o mesmo caminho e, mais ainda, que destinem recursos para minimament­e reparar os danos que causaram.

Se a justiça climática é uma discussão que tomou conta das duas últimas Conferênci­as das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP), o tema reparação social ingressa na agenda dos países afetados pelas nações invasoras, assunto este que está na ordem do dia dos BRICS.

E se governos são instados a repararem os países que exploraram no passado, de igual sorte as corporaçõe­s que se beneficiar­am com essa exploração serão chamadas a arcar com parte dessa conta.

Reparação social, portanto, ingressa no rol de temas das agendas ESG juntamente com transição energética, descarboni­zação, biodiversi­dade, direitos humanos e combate à corrupção, inclusão e diversidad­e.

AUGUSTO CRUZ É ADVOGADO, ESCRITOR E SÓCIO DA AC CONSULTORI­A

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