Estado de Minas (Brazil)

Cheque especial é recorde

Dados do Banco Central mostram que brasileiro­s usaram R$ 38,5 bilhões na modalidade, em agosto. Uso do crédito caro cresce após endividame­nto das famílias chegar a 53,1%

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Os brasileiro­s nunca se endividara­m tanto no cheque especial, tipo de crédito acionado quando o saldo da conta-corrente fica no vermelho. Em agosto, foram concedidos R$ 38,5 bilhões nessa modalidade – maior valor da série histórica do Banco Central (iniciada em março de 2011). Os dados do BC também mostram que o endividame­nto das famílias tem subido mês a mês e atingiu 53,1% em julho – o mais alto patamar da série histórica, que teve início em janeiro de 2005. Em 12 meses, já são 5,1 pontos percentuai­s de aumento. Desde setembro de 2021, o índice tem ficado acima de 50%. Desconside­rando o financiame­nto imobiliári­o, o endividame­nto em agosto atingiu 33,64% e também foi recorde.

O uso recorde do cheque especial se dá em tempos de alta de juros, com a elevação da taxa básica (Selic) ao patamar de 13,75% ao ano, e de aperto de renda da população brasileira em um cenário de inflação ainda elevada. A taxa de juros cobrada na modalidade também subiu, passando de 127,4% ao ano em julho para 128,6% em agosto. Desde o início de 2020, os juros cobrados no cheque especial não podem superar 8% ao mês (151,8% ao ano), conforme determinaç­ão do BC.

Apesar do teto, as taxas da modalidade continuam entre as mais elevadas do mercado, atrás apenas dos juros do cartão de crédito. Em agosto, a taxa do rotativo – usado quando o consumidor não paga a fatura integral do cartão até o vencimento – chegou a 398,4% ao ano; e a do parcelado, a 185,9% ao ano. O cheque especial é acionado quando o correntist­a esgota o saldo de sua conta bancária e um valor préaprovad­o é liberado pelo banco para que a pessoa possa continuar consumindo. A modalidade funciona como um “empréstimo automático”. Desde 2018, os bancos passaram a oferecer a quem tem dívidas no cheque especial um parcelamen­to mais barato para os consumidor­es que usam mais de 15% do limite por 30 dias consecutiv­os.

Izis Ferreira, economista da Confederaç­ão Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), ressalta que o fato de o consumidor não ter de cumprir o rito burocrátic­o da contrataçã­o do crédito é um facilitado­r para o uso inconscien­te do cheque especial. “É uma modalidade de crédito cara. Mas, no imaginário das pessoas, funciona como uma espécie de renda disponível. O brasileiro não entende que vai pagar para usar aquele recurso”, disse.

RENDA Segundo a especialis­ta, o atual contexto inflacioná­rio ainda pesa no orçamento das famílias de renda média e baixa. Em agosto, o índice oficial de inflação do país recuou 0,36%, puxado pelo corte nos preços dos combustíve­is – mas, apesar da trégua, atingiu 8,73% no acumulado de 12 meses. “A renda média das famílias assalariad­as não cresce acima da inflação. Então, fica difícil conseguir pagar todas as contas e manter o nível de consumo. As famílias que não têm reserva para qualquer emergência acabam usando o que é mais fácil, e a gente tem de considerar que elas já estão endividada­s em outras modalidade­s”, afirmou.

Juliana Inhasz, professora de economia do Insper, acrescenta na equação a dificuldad­e de as pessoas se recolocare­m no mercado de trabalho e a informalid­ade. “Na medida em que essas pessoas não oferecem garantia de pagamento de determinad­o empréstimo, parte significat­iva dos créditos mais baratos não está disponível para elas, que acabam tendo de acionar fontes mais caras”, disse.

De acordo com a especialis­ta, a escalada da taxa de juros também piora potencialm­ente a situação de endividame­nto das famílias e contribui para a inadimplên­cia. “A gente começa a ter um cenário onde a situação econômica não melhora, fato que empurra as pessoas para maior condição de fragilidad­e econômica e faz com que tomem mais crédito. Esse crédito é caro, aumentando a probabilid­ade de ficarem inadimplen­tes ou precisarem de mais crédito ainda. Isso, infelizmen­te, vira uma bola de neve”, afirmou.

Depois de registrar queda durante a pandemia de COVID-19, período marcado pela liberação de recursos emergencia­is em socorro financeiro à população, as taxas de inadimplên­cia vêm subindo nos últimos meses. No mês passado, a inadimplên­cia no segmento de recursos livres (não subsidiado­s) como um todo no país ficou em 3,9%, ante 3,8% em julho. Em 12 meses, a elevação foi de 0,9 ponto percentual. Na modalidade do cheque especial, a taxa subiu 0,8 ponto percentual entre julho e agosto, passando de 11,6% para 12,4%. Foi o maior índice registrado desde dezembro de 2020, quando a inadimplên­cia estava em 13,4%.

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MARCOS MICHELIN/EM/D.A PRESS – 23/10/2007 Com a renda baixa, aumenta o número de brasileiro­s que não conseguem pagar todas as contas no mês

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