Solidariedade ofuscada por potências
São Paulo – Desde que a Rússia invadiu a Ucrânia, dando início ao conflito por procuração entre Moscou e Washington, aliados europeus, governos e órgãos multilaterais se mobilizam para responder a uma das maiores emergências humanitárias em solo europeu desde a Segunda Guerra.
Até o fim de setembro, segundo a ONU, mais de 13 milhões de ucranianos cruzaram a fronteira em fuga da guerra –7,5 milhões tendo buscado abrigo em países da Europa.
A narrativa oficial de solidariedade e engajamento benevolente, porém, pouco disfarça interesses políticos e econômicos tradicionais nesse tipo de resposta transnacional a confrontos que atingem multidões de civis. O lembrete é de Luiza Mateo, professora de relações internacionais da PUC-SP.
É claro que são importantes iniciativas como o dispositivo aprovado pela União Europeia para permitir a permanência de refugiados ucranianos nos 27 países do bloco por até três anos, com acesso a educação, trabalho e seguridade social (e sem a necessidade de um visto).
Ou o britânico Homes for Ukraine (Lares para a Ucrânia), programa semelhante, mas que coloca a emissão de visto como pré-requisito à entrada dos cidadãos deslocados pela guerra.
Ou ainda os cerca de US$ 8 bilhões (cerca de R$ 41 bi) já doados pelo Usaid, a agência norte-americana para o desenvolvimento internacional, para a manutenção de serviços essenciais (notadamente, hospitais, escolas, acesso a eletricidade, mantimentos e alojamento) – US$ 3 bi (R$ 15 bi) apenas em agosto.
Mas esses repasses empalidecem perto dos aportes feitos por Washington e Bruxelas para turbinar a resposta militar ucraniana às investidas da Rússia. Só os EUA se comprometeram a enviar, desde fevereiro deste ano, mais de US$ 13,5 bilhões (R$ 73 bi) em armas e munições. Nos últimos 12 meses, foram nada menos do que 19 pacotes de ajuda militar.
"Esse auxílio (com armas e munições) alimenta o conflito", diz Mateo. "A ajuda humanitária acaba entrando como mera resposta à opinião pública, para tentar contrabalançar o envolvimento desses países na máquina de guerra."
Outro nó da ajuda humanitária, segundo a professora, é a distância entre os valores prometidos pelas potências que financiam as principais agências das Nações Unidas e o que é efetivamente desembolsado.
"Muitos países acabam preferindo a via bilateral (de governo para governo, sem a intermediação de órgãos multilaterais). Isso permite, por exemplo, um controle mais rígido sobre o direcionamento dos recursos e a inclusão de parceiros privados escolhidos a dedo, consolidando a máquina da indústria da ajuda", observa Mateo.