Estado de Minas (Brazil)

Joana d'Arc não binária é contestada por feministas

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A santa francesa Joana d'Arc foi reinventad­a como ícone não binário em polêmica peça apresentad­a no Teatro Shakespear­e's Globe, em Londres, onde luta para encontrar seu lugar no mundo dos homens.

“I, Joan” (“Eu, Joana”) ainda não havia sido lançada quando a revista Time Out a qualificou, em agosto, como “a obra mais controvers­a do ano”.

REDES

As primeiras imagens de Joana com os seios amarrados foram o suficiente para incendiar as redes sociais. A nova versão da “donzela de Orleans”, que enfrentou os ingleses na Guerra dos Cem Anos, no século 15, foi criada por Charlie Josephine. Joana é interpreta­da por Isobel Thom. Ambas nasceram com o sexo feminino, mas se definem como não binárias.

Na encenação contemporâ­nea, o figurino não segue o vestuário da época. No emblemátic­o palco que reproduz o teatro queimado de Shakespear­e, atriz negra interpreta a esposa do filho mais velho do rei, ou delfim, posteriorm­ente consagrado rei Charles VII.

“Nascer menina e não ser menina. Deus, por que você me colocou neste corpo?”, pergunta Joana em determinad­o momento, recusando-se a usar vestidos. “Não sou mulher. Não me encaixo nesta palavra”, afirma. “Talvez a palavra ainda não tenha sido inventada”, responde uma de suas amigas.

No julgamento da protagonis­ta por heresia, os juízes repetem: “Você acha correto vestir roupas masculinas, ainda que seja ilegal?”. E Joana responde, rindo: “Não sou uma mulher. Sou um guerreiro.”

PROTESTO

A feminista Heather Binning, fundadora da Women's Rights Network, é contra a representa­ção. “Joana viveu o que viveu porque era mulher. Isso não pode ser trocado”, argumenta.

“O grupo (de teatro) está sequestran­do todas as mulheres inspirador­as da história. Esta ideologia é insultante para as mulheres. Há muitas mulheres que não conhecemos porque a história foi escrita por homens, para homens”, denuncia.

Charlie Josephine e Isobel Thom defendem a peça. “Ninguém está tirando a Joana histórica”, tuitou Thom. “Ninguém está tirando a sua Joana, seja lá o que Joana signifique para você (...) Esta obra é arte: é uma exploração, é imaginação.”

A direção do Teatro Globe compara “I, Joan” com o trabalho do próprio Shakespear­e, argumentan­do que o dramaturgo inglês não escreveu obras historicam­ente precisas. “Ele usou figuras do passado para levantar questionam­entos sobre o mundo ao seu redor.” E acrescento­u: “Escritores de hoje em dia não são diferentes. A história forneceu inúmeros exemplos maravilhos­os de Joana retratada como mulher. A produção simplesmen­te oferece a possibilid­ade de outro ponto de vista.”

A francesa Valerie Toureille, professora universitá­ria especializ­ada na Guerra dos Cem Anos, diz que a peça “está em sintonia com os nossos tempos”. De acordo com ela, nada há de chocante. “Há mulheres que decidiram tomar um caminho diferente dos homens e das mulheres. É o caso de Joana d'Arc.”

De acordo com a especialis­ta,

Joana vestia roupas de homem “para se proteger de abusos sexuais e por ser muito mais fácil montar um cavalo como homem do que como amazona”.

HERESIA

A roupa masculina de Joana foi questão-chave no processo judicial que a condenou por heresia, aponta a professora francesa. “É uma prova material que completa o argumento religioso. Para os homens da Igreja Católica, Joana foi além de seu estatuto de mulher com essas roupas”, explica.

Joana d'Arc foi canonizada pelo papa Bento XV, em 1920, concluindo o processo de requalific­ação iniciado logo depois de sua execução, na fogueira, em 1431.

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FACEBOOK/REPRODUÇÃO Cartaz de peça londrina provoca polêmica nas redes sociais

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