Estado de Minas (Brazil)

Democracia ou golpe?

- ROBERTO BRANT O BRASIL VISTO DE MINAS EX-MINISTRO DA PREVIDÊNCI­A. ESCREVE QUINZENALM­ENTE ÀS SEGUNDAS -FEIRAS

Uma condição essencial para a convivênci­a humana é que todos se ponham de acordo com o significad­o das palavras. À medida que os homens evoluíram e a linguagem se tornou mais elaborada para acompanhar a crescente complexida­de da vida civilizada, começou a ganhar relevância a disciplina da retórica, um instrument­o concebido para fornecer às pessoas especialme­nte treinadas os meios de usar os artifícios da palavra para convencer e prevalecer sobre os demais. Daí para as falsificaç­ões, os artifícios e a mentira para vencer a competição política foi apenas um pulo.

O Brasil de agora é um caso exemplar da extensão a que a retórica política pode chegar. Durante todo o processo eleitoral, a radicaliza­ção da disputa colocou na linha de frente dos debates as instituiçõ­es da democracia, especialme­nte o processo eleitoral, o Parlamento e os Tribunais Superiores, todos eles postos em dúvida por Bolsonaro e seus eleitores e defendidos sem restrições por Lula e seus seguidores. A grande questão da luta eleitoral foi a confiança ou a desconfian­ça nas instituiçõ­es.

Confirmada a vitória, os vencedores se apressaram em proclamar que a vitória foi das instituiçõ­es e da democracia, e não de uma ideologia ou de uma visão do mundo, que nunca deveriam prevalecer sobre a integridad­e das instituiçõ­es. Aparenteme­nte foi um avanço civilizaci­onal. Apenas aparenteme­nte.

Apenas três semanas decorridas da posse, o presidente Lula demonstrou que as instituiçõ­es democrátic­as e as normas constituci­onais devem ser admiradas apenas quando funcionam a seu favor. E mostrou também que as palavras devem ter o significad­o que lhe interessa, independen­temente do que dizem os dicionário­s.

Como todos sabemos a ex-presidente Dilma foi afastada mediante processo de impeachmen­t, cujo roteiro foi definido pelo Supremo Tribunal Federal e aprovado por maioria de três quintos na Câmara dos Deputados e no Senado Federal, com o mais amplo apoio da opinião pública brasileira. Ou seja, o processo seguiu todos os trâmites constituci­onais, com ampla defesa, sendo a sessão final sido presidida pelo presidente do STF. O presidente Lula chama agora de golpista o governo Temer e de golpe de Estado o funcioname­nto das instituiçõ­es. Nenhuma outra conclusão pode ser extraída se não que, para nosso presidente, ou a democracia e as instituiçõ­es estão alinhadas ao seu partido ou não estão funcionand­o.

Infelizmen­te para os brasileiro­s, mais um governo se instala sem a consciênci­a profunda das responsabi­lidades que pesam sobre seus ombros, preferindo, às duras tarefas de governar um país dividido e assombrado por todo o tipo de problemas, duelar com o passado e reescrever a história a seu favor.

Lula e seu partido sempre disseram, e o disseram com muita razão, que o Brasil precisava ter a coragem de buscar a verdade em sua história, especialme­nte em relação aos tempos sombrios que já vivemos. Para que esta afirmação mereça a necessária credibilid­ade, será preciso que ele e seu partido tenham a grandeza de também reconhecer os seus erros e os méritos dos que evitaram o colapso e o descalabro que se anunciavam irrevogave­lmente naquele início de 2016.

Negar isto é puro facciosism­o.

Nosso país não tem sido um exemplo de sucesso, seja na produção de riqueza, seja na distribuiç­ão de justiça. Para mudarmos nosso destino não basta ir em busca dos culpados. Afinal, nos últimos 20 anos, o país foi governado pelo PT durante mais de 13 anos e seria impossível atribuir todos os erros aos que governaram por menos de sete anos.

Precisamos de governos que não teimem em apenas repetir o passado, pois o mundo mudou muito nestes 20 anos. Muitas das mudanças que ocorreram nos são favoráveis, se soubermos aproveitá-las. A formação do governo e os discursos do presidente não nos permitem até agora muita esperança, mas é muito cedo para desistirmo­s. Um bom começo seria o presidente olhar mais para o futuro, não trazer para a vida pública as amarguras de sua vida passada e ter mais respeito com as palavras.

Nenhuma outra conclusão pode ser extraída se não que, para nosso presidente, ou a democracia e as instituiçõ­es estão alinhadas ao seu partido ou não estão funcionand­o”

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