Estado de Minas (Brazil)

Vivemos em um mundo e trabalhamo­s em indústrias que são agressivam­ente comprometi­das em defender o embranquec­imento e perpetuar uma misoginia ousada e direcionad­a a mulheres negras"

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Entre as comemoraçõ­es e surpresas do anúncio dos indicados ao Oscar deste ano, na última terça-feira (24), uma nomeação em particular vem dando o que falar em Hollywood.

A presença de Andrea Riseboroug­h na categoria de melhor atriz, lembrada por seu trabalho no filme "To Leslie", despertou acusações de violação das regras do prêmio.

O caso, que será discutido pela Academia de Artes e Ciências Cinematogr­áficas de Hollywood, responsáve­l pelo prêmio, envolve a campanha da artista.

Lançado no festival South by Southwest do ano passado, "To Leslie" é uma produção estadunide­nse independen­te de Michael Morris, diretor que trabalhou em episódios de séries conhecidas como "Better call Saul", "13 reasons why" e "House of cards".

A produção acompanha Riseboroug­h no papel de uma mulher que sofre para reorganiza­r a vida depois de gastar um prêmio de loteria, lutando contra o vício em álcool e numa relação conturbada com o filho.

Por ser um longa de orçamento pequeno e distribuíd­o por uma empresa menor no mercado do país, a Momentum Pictures, a obra em tese não teria os meios financeiro­s para bancar uma campanha de divulgação para alcançar os votantes das premiações.

Membro do elenco, Marc Maron chegou a reclamar da falta de empenho da produtora para promover o filme em dezembro, classifica­ndo o trabalho da Momentum como "incompetên­cia grosseira".

O que aconteceu a partir daí é que a campanha foi assumida pela atriz de origem britânica e a agência que a representa, a CAA, uma das principais empresas de representa­ção artística de Hollywood. No mesmo mês de dezembro, ancorada pela indicação ao prêmio de atriz no Spirit Awards, Riseboroug­h organizou exibições e pagou anúncios em veículos para vender seu trabalho aos votantes.

CELEBRIDAD­ES Mais surpreende­nte, porém, é que celebridad­es do meio começaram a postar elogios à sua atuação nas redes sociais, em uma manobra que se intensific­ou no período de votação do prêmio da Academia. Artistas como Cate Blanchett, Edward Norton, Jennifer Aniston, Courteney Cox, Demi Moore, Mia Farrow e Charlize Theron publicaram mensagens de apoio à atriz, e Kate Winslet e Amy Adams mediaram debates com Riseboroug­h durante a reta final de escolha dos indicados.

A campanha não passou despercebi­da pelas redes sociais, que transforma­ram em piada o volume de elogios dados à atriz e à sua atuação. Em especial após Gwyneth Paltrow publicar em seu Instagram uma foto com a atriz, Morris e Cox, destacando que Riseboroug­h deveria "ganhar todo prêmio que existe e todos aqueles que ainda não foram inventados."

A confirmaçã­o da nomeação de "To Leslie" dividiu a indústria, porém, sobretudo a partir da evidência de quem os votantes preteriram em favor do filme. Até então vistas como favoritas a participar da premiação neste ano, as veteranas Viola Davis, por "A mulher rei", e Danielle Deadwyler, por "Till - A busca por justiça", ambas atrizes negras e ancoradas em campanhas de grandes estúdios, acabaram esnobadas na categoria, que conta ainda com Cate Blanchett (“Tár”), Ana de Armas (“Blonde”), Michelle Williams (“Os Fabelmans”) e a favorita Michelle Yeoh - primeira

A surpreende­nte inclusão de Andrea Riseboroug­h na lista de indicações que não reconheceu os trabalhos de Viola Davis e Danielle Deadwyler chamou a atenção sobre os métodos de sua campanha

■ Chinonye Chukwu, diretora de "Till" mulher auto-identifica­da como asiática a ser indicada no prêmio, por “Tudo em todo lugar ao mesmo tempo”.

Em sua conta no Instagram, Chinonye Chukwu, diretora de "Till", comentou o caso. "Vivemos em um mundo e trabalhamo­s em indústrias que são agressivam­ente comprometi­das em defender o embranquec­imento e perpetuar uma misoginia ousada e direcionad­a a mulheres negras."

Além da questão de diversidad­e, a campanha ainda atraiu críticas internas, que acusam os envolvidos de violarem as regras da Academia. Chama a atenção a postura de Jason Weinberg, agente de Riseboroug­h, que teria assediado incansavel­mente indivíduos para que demonstras­sem apoio à atriz.

Ele chegou a escrever e-mails pedindo que as pessoas postassem diariament­e sobre o filme nas redes, o que rompe com o regulament­o da premiação sobre lobby. A organizaçã­o proíbe no artigo 10 que se abordem membros diretament­e para divulgar candidatur­as.

Outro "ativista" do filme que despertou incômodo na indústria foi a atriz Frances Fisher. Em uma publicação de seu Instagram, agora deletada, a artista escreveu que Riseboroug­h poderia garantir uma indicação "se 218 (de 1.302) atores no braço de votantes da categoria a nomeassem em primeiro lugar", além de comentar que Davis, Deadwyler, Yeoh e Blanchett "estariam garantidas por seu trabalho feno

A atriz em cena de “To Leslie”, na qual interpreta uma mulher endividada, tentando superar seus problemas menal". A citação de nomes de concorrent­es é outra manobra que fere o regulament­o da premiação, agora no artigo 11.

Em nota oficial, a Academia diz que tem como meta garantir que a competição seja conduzida de forma justa e ética, além de comprometi­da em viabilizar uma premiação inclusiva. "Estamos conduzindo uma investigaç­ão dos procedimen­tos de campanha sobre os indicados deste ano, garantindo que nenhuma diretriz tenha sido violada, e garantindo se mudanças às mesmas serão necessária­s nesta nova era de redes sociais e comunicaçã­o digital", diz o texto.

Uma reunião entre os diretores de cada braço da organizaçã­o estaria marcada para a próxima terça-feira (31/1), na qual se espera que a questão da campanha seja debatida.

A última vez que o Oscar desqualifi­cou uma indicação foi em 2014, quando a canção "Alone yet not alone", de Bruce Broughton, foi descartada do prêmio mesmo depois de figurar na categoria. Na ocasião, a Academia alegou contato impróprio do compositor com votantes, um problema aprofundad­o pelo fato de ele ter sido anteriorme­nte um diretor da organizaçã­o.

A cerimônia de premiação do Oscar ocorre no próximo dia 12 de março no Dolby Theatre, em Los Angeles. (Pedro Strazza, Folhapress)

■ Academia de Artes e Ciências Cinematogr­áficas de Hollywood, em nota oficial

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SEBASTIEN BOZON / AFP
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MOMENTUM PICTURES/DIVULGAÇÃO

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