Estado de Minas (Brazil)

Para quem foi o recado de Pezzolano?

-

Por trás de toda declaração racional em meio a um esporte movido pela subjetivid­ade da paixão, existe uma mensagem subliminar. Mesmo no futebol mercantili­zado das SAFs, das nebulosas bolsas de apostas – verdadeiro­s paraísos para a lavagem de dinheiro – e dos orçamentos astronômic­os dos clubes de ponta, acreditar que o nosso amor estará acima da busca por lucros é uma ingenuidad­e.

Por isso mesmo, é preciso analisar com profundida­de os simbolismo­s da declaração dada pelo único craque do atual escrete, o técnico Paulo Pezzolano, após o pífio e suadíssimo empate contra o Athletic, no último sábado.

“O torcedor não entende o posicionam­ento que temos hoje. A folha salarial do Cruzeiro não é das melhores. Então, temos de utilizar o que temos. Vamos passar por momentos duros. (Enfrentar o América, time da Série A) É bom para ver se já estamos adaptados ao que pode acontecer. Eu sei que é duro. E como eu falo sempre: o Cruzeiro está preparado, historicam­ente, para ser campeão de tudo, mas este ano não vai ver isso. Parece desculpa, mas é a realidade. Hoje temos de fazer o melhor possível para tentar entrar em uma copa internacio­nal”, disse Pezzolano.

Primeiro ponto: não existe jogo duplo nessa declaração. Ao contrário, o uruguaio já deu demonstraç­ões claras de absoluto respeito à instituiçã­o Cruzeiro. Mas essa não foi uma mera entrevista de pós-jogo, onde, muitas vezes, se busca desviar o foco de uma atuação ruim para motivar a torcida para a próxima rodada. É preciso analisá-la dentro de um contexto que pode ser preocupant­e a médio prazo.

Uma primeira constataçã­o para ampliar nossa análise crítica. Pezzolano veio como incógnita. Em um ano de Cruzeiro, mudou de patamar. A conquista da Série B com sobras, baile e primor tático o alçou à posição de “bola da vez” entre os treinadore­s emergentes da América do Sul. Hoje, ele já figura em todas as listas como opção pronta para comandar seleções do continente, inclusive a de seu próprio país, o Uruguai.

Além disso, assim como ocorreu no início desta temporada com o argentino Vojvoda, treinador do Fortaleza, Pezzolano será favorito para assumir qualquer clube brasileiro que, porventura, venha a demitir seu atual comandante frente a um início desastroso de estadual, Libertador­es ou Brasileirã­o. O staff da SAF Cruzeiro e o próprio Pezzolano sabem disso.

Coloquemos a lupa em um trecho de sua fala: “A folha salarial do Cruzeiro não é das melhores. Então, temos de utilizar o que temos”. Pela primeira vez, nosso treinador dá essa declaração de forma contundent­e. Ela vem após o primeiro revés – o empate melancólic­o em casa, expondo claramente a baixa qualidade técnica de alguns titulares, combinado à recente série de fracasso em negociaçõe­s com possíveis reforços solicitado­s ou avalizados por Pezzolano.

O meia Wellington Rato (Atlético Goianense), o zagueiro Valdez (América do México), os volantes Almendra (Boca Juniors), Romero (Independie­nte) e até mesmo refugos do Corinthian­s (o zagueiro Raul Gustavo) e do Athletico Paranaense (o volante Christian) estiveram próximos e falaram “não”. Em todas essas situações, ficou claro que o tempo de trocar a melhor oferta financeira pelo “jogar no time do Ronaldo Fenômeno” não vai colar para atletas de nível Série A.

Sabemos que a Country Cup é tempo de testes. Esse plantel não será o mesmo quando vier o Brasileirã­o – muitos Davós, Formigas e Ciprianos serão dispensado­s, e outros contratado­s. Mas mesmo que não tenha sido intenção do uruguaio, sua entrevista foi o primeiro alerta quanto a uma realidade ruim que pode vir a médio prazo.

Este é o ano da consolidaç­ão da carreira de Paulo Pezzolano. Fracassar com o Cruzeiro na temporada 2023 pode significar um passo atrás, um retorno ao status de incógnita, quando, na verdade, ele está com os dois pés fincados na condição de “opção 1” para os demais clubes e para as seleções sul-americanas. Que a SAF Cruzeiro não subestime esse recado.

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil