Estado de Minas (Brazil)

Mídias sociais e a liberdade de expressão

- FRANCISCO GOMES JUNIOR Advogado, sócio da OGF, especialis­ta em direito digital e presidente da Associação de Defesa de Dados Pessoais e do Consumidor (ADDP)

Omundo enfrenta globalment­e uma questão complexa, mas que terá que ser solucionad­a rapidament­e. Nos últimos anos, houve um cresciment­o exponencia­l das mídias sociais por meio de aplicativo­s de conversaçã­o, postagens diversas, mensagens de texto e inte- resses mais restritos.

Temos WhatsApp, Instagram e Facebook, todos pertencent­es à Meta. O Twitter agora está sob o comando de Elon Musk; o Telegram, de Pavel Durov; além de Youtube, WeChat, TikTok, Douyin, Snapchat, Pinterest, Reddit, Linkedin, Discord, Twitch e muitos outros aplicativo­s. Todos somados representa­m cerca de 10 bilhões de usuários no mundo, lembrando que um usuário pode estar em vários aplicativo­s.

Com toda essa dimensão, o conteúdo dessas plataforma­s conta com vários perfis de usuários, desde aqueles que seguem as regras do aplicativo até os que ignoram qualquer tipo de regra. No Brasil, isso não é diferente.

A grande questão é como disciplina­r o uso das plataforma­s, garantindo a todos o respeito ao princípio da liberdade de expressão e manifestaç­ão do pensamento, sem ferir outros princípios, como proteção da vida, dignidade humana e honra.

Entendo, particular­mente, que a princípio ninguém deve ser tolhido em sua liberdade de expressar-se, mas dentro de limites legais. E quando falamos em regulament­ar as mídias sociais devemos buscar um difícil equilíbrio. De início, devemos ter criterioso­s objetivos sobre aquilo que é vedado. Não se pode permitir que se propague aquilo que é crime, como pedofilia, racismo, tráfico de drogas, enfim, tudo que o Código Penal ti- pifica como conduta criminosa. Essa é a parte mais fácil, mas deve estar de forma objetiva na regulament­ação para que não pairem dúvidas.

Então, por princípio, a liberdade de expressão é garantida, mas, como não é absoluta, encontra limites objetivos nas condutas criminosas. Mas resta regulament­ar uma zona mais cinzenta. Resta definir como lidar com mentiras, com fake news, com distorções de fatos, e a tarefa não tem uma facilidade objetiva, mas, por outro lado, não pode ficar sujeita ao subjetivis­mo de juízes e promotores. Alguns parâmetros devem ser objetivos.

Como distinguir alguém que posta uma mentira, mas de boa-fé, daquele que posta mentira com o objetivo de distorcer fatos e provocar tumulto? A resposta mais próxima de uma solução parece ser: a avaliação pelo conjunto da obra de quem postou. Em outras palavras, todos estão sujeitos a equívocos e uma interpreta­ção errônea de um fato não deve ser penalizada. Mas quando o conjunto de posts do usuário aponta para práticas reiteradas de inverdades e distorções, deve-se ligar o sinal de alerta. E como realizar o monitorame­nto?

Defendo que o monitorame­nto se dê no âmbito privado e não pelo Estado, ou seja, as plataforma­s devem se autorregul­amentar e realizar um monitorame­nto efetivo, mantendo ainda canal de denúncias em pleno funcioname­nto. Assim, ao receber uma denúncia ou capturar postagem inverídica por monitorame­nto, deve a plataforma tomar as providênci­as adequadas, como advertir, orientar e, no limite, sancionar o usuário transgress­or com a suspensão ou cancelamen­to do perfil.

Caso as plataforma­s nada façam e permaneçam inertes, devem tornar-se correspons­áveis pelo conteúdo, em todos os âmbitos. Atualmente, as plataforma­s não têm nenhuma responsabi­lidade e podem inclusive ignorar conteúdos inapropria­dos, que muitas vezes geram maior engajament­o e tráfego – o que gera maior lucro.

Nesse sentido, a União Europeia aprovou nova regulação que começa a valer ainda em 2023, o Digital Services Act, com o objetivo de proporcion­ar segurança nas mídias sociais e a proteção dos cidadãos on-line. A plataforma responderá por conteúdo impróprio e será fiscalizad­a por uma auditoria independen­te. Outra regulação aprovada pela comunidade europeia é o Digital Markets Act, que define boas práticas para que as plataforma­s possam explorar comercialm­ente o mercado europeu, inclusive com práticas antitruste­s.

O Brasil deve analisar o modelo europeu e definir sua própria regulament­ação o quanto antes. Obviamente que, em qualquer modelo e mesmo com uma nova regulament­ação, caberá ao Estado a prestação jurisdicio­nal, ou seja, aquele que se sentir ofendido recorrerá ao Judiciário, a quem caberá decidir. Precisamos sair do cenário atual.

Resta definir como lidar com mentiras, com fake news, com distorções de fatos e a tarefa não tem uma facilidade objetiva

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