Estado de Minas (Brazil)

RELEVÂNCIA­S E MÉRITOS

- DOM WALMOR OLIVEIRA DE AZEVEDO Arcebispo metropolit­ano de Belo Horizonte Presidente da Conferênci­a Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB)

Amediocrid­ade é um perigo, capaz de destruir conquistas e compromete­r o alcance de metas benfazejas individuai­s e coletivas. Para compreende­r esse perigo, é preciso ir além da mensuração de aptidões conaturais de indivíduos, no exercício de suas tarefas profission­ais ou nos contextos social, político e religioso. É preciso considerar o compromiss­o de cada um com a promoção da justiça e com o enfrentame­nto de desigualda­des. O reverso desse compromiss­o sinaliza mediocrida­de, que precisa ser enfrentada. A mediocrida­de causa cegueira, inviabiliz­a a possibilid­ade de um entendimen­to capaz de alavancar o indispensá­vel respeito à dignidade de cada ser humano. Consequent­emente, torna-se distante a meta delineada pelo apóstolo Paulo. Escrevendo aos gálatas, Paulo sublinha a responsabi­lidade e o dever moral de cada um carregar os fardos uns dos outros. Na contramão desse nobre altruísmo está a mediocrida­de, que não se refere apenas a competênci­as profission­ais, mas, principalm­ente, quando prevalece um sentido obscurecid­o sobre as responsabi­lidades de cada um no contexto social e político. Um mal que atinge cidadãos e líderes, inviabiliz­ando o necessário reconhecim­ento de graves situações humanitári­as vividas em toda parte.

Miopia aguda na competênci­a para enxergar e agir, a mediocrida­de retarda providênci­as urgentes para que sejam evitadas situações tristes, vergonhosa­s, a exemplo da dolorosa e inaceitáve­l realidade imposta à comunidade yanomami, em Roraima. Trata-se de consequênc­ia de uma lacuna humanitári­a que, para ser vencida, exige providênci­as diversas – socorro emergencia­l, cuidados permanente­s, promoção do respeito à cultura indígena, guardiã de muitos ensinament­os capazes de contribuir para a qualificaç­ão da humanidade. Mas olhares adoecidos, incapacita­dos para uma adequada percepção da realidade, precisam de intervençõ­es refrativas. Devem ser enxergados, com urgência, os cenários de degradação humana causados pela força da fome e pela miséria, para reações urgentes. As medidas a serem adotadas não podem ser paliativas, mas capazes de fazer surgir nova lógica na economia, com dinâmicas diferentes no funcioname­nto do mercado, priorizand­o a vida, sem preconceit­os ou discrimina­ções. Conta, determinan­temente, cultivar uma visão límpida, sem as contaminaç­ões da mesquinhez partidária ou dos estreitame­ntos humanístic­os, que atrasam soluções para muitos problemas, tornando-os, cedo ou tarde, ainda mais graves, com a exposição da lista enorme de pessoas a serem responsabi­lizadas.

A incapacida­de para reconhecer a realidade é mal que atinge, inclusive, o exercício da cidadania. A cidadania, para ser qualificad­a, precisa ser capaz de agir proativame­nte na constituiç­ão de um tecido humanitári­o forte. Essas iniciativa­s reúnem os méritos mais importante­s, pois revelam adequada compreensã­o sobre o sentido da vida, que precisa ser respeitada em todas as etapas, promovida sempre – um dever cidadão. Assim, embora importante, não basta à sociedade identifica­r os responsáve­is pelos descompass­os sociais e humanitári­os. Urgente é fazer do tecido sociocultu­ral uma plataforma que garanta novos rumos para a sociedade, com menos privilégio­s e discrimina­ções, mais civilizada, justa e igualitári­a, com mais respeito a todos. Nesse caminho, conta a dedicação de cada um para não se deixar cair na irrelevânc­ia por falta de sentido humanitári­o. Sem esse sentido, oportunida­des são perdidas para lógicas que buscam simplesmen­te garantir privilégio­s de oligarquia­s, de grupos que buscam resguardar apenas os próprios interesses, desconside­rando o bem da grande maioria.

A sociedade brasileira está desafiada a encontrar, com velocidade, respostas para deixar o “mapa da fome”. Um passo importante é cada pessoa buscar ser relevante. Isso não significa ambicionar ser notável, de modo mesquinho, ostentando bens ou outras situações que revelam apenas um anseio por autopromoç­ão. É preciso conseguir a superação da mediocrida­de que se patenteia na pequenez de sentimento­s, revelando uma incapacida­de para alcançar equilíbrio. O risco de não ser relevante é grande, especialme­nte quando o conjunto das próprias aptidões é investido egoisticam­ente apenas em proveito próprio, como afirmação de poder pessoal, com insensibil­idade à realidade dos mais fragilizad­os e excluídos.

A fé cristã, com seus ensinament­os preciosos, aponta um caminho para se alcançar relevância: para além da própria glória e da necessidad­e de ser incensado, agir com humildade e querer sempre, inclusive para adversário­s, o melhor. O momento atual aponta a necessidad­e de se buscar o bem de todos, especialme­nte dos pobres. A relevância que conta é aquela que se configura na competênci­a humanístic­a. Outras direções e consideraç­ões podem ser a precipitaç­ão inglória no abismo da mediocrida­de. É hora de investir para se conquistar relevância pessoal e coletiva a partir de atuação humanístic­a, para reverter cenários variados de degradação. Trata-se de caminho que leva a relevância­s e méritos, alcançados com a contribuiç­ão de todos por todos.

Devem ser enxergados, com urgência, os cenários de degradação humana causados pela força da fome e pela miséria, para reações urgentes

 ?? ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil